Retroativos. Anistiado político. Disponibilidade Orçamentária.
Texto publicado no Informativo de Jurisprudência do Supremo Tribunal Federal
Ao final do informativo, está um link que leva ao Programa Plenárias da TV Justiça.
O Programa Plenárias da TV Justiça analisou o julgamento e destacou a sustentação oral feita pelo advogado Dr. Marcelo Pires Torreão, do escritório Torreão, Machado e Linhares Dias Advocacia e Consultoria.
Reconhecido o direito à anistia política, a falta de cumprimento de requisição ou determinação de providências por parte da União, por intermédio do órgão competente, no prazo previsto nos arts. 12, § 4º, e 18, “caput” e parágrafo único, da Lei 10.599/2002, caracteriza ilegalidade e violação de direito líquido e certo. Havendo rubricas no orçamento destinadas ao pagamento das indenizações devidas aos anistiados políticos e não demonstrada a ausência de disponibilidade de caixa, a União há de promover o pagamento do valor ao anistiado no prazo de 60 dias. Na ausência ou na insuficiência de disponibilidade orçamentária no exercício em curso, cumpre à União promover sua previsão no projeto de lei orçamentária imediatamente seguinte.
Com base nessa orientação, o Plenário negou provimento a recurso extraordinário em que debatido o pagamento imediato de reparação econômica a anistiados políticos, tendo em conta a ausência de previsão orçamentária e o regime de precatórios para pagamento de valores pelos quais o Estado é condenado.
De início, o Colegiado lembrou que a declaração de anistiado político é conferida em favor daqueles que, no período de 18.9.1946 a 5.10.1988, sofreram prejuízos em decorrência de motivação exclusivamente política por meio de ato de exceção (ADCT, art. 8º, “caput”). E, para liquidar as reparações econômicas desses anistiados, o orçamento anual da União destina valores expressivos, em prestação única ou em prestação mensal permanente e continuada.
Pontuou que, de acordo com o princípio da legalidade da despesa pública, a Administração deve atuar de acordo com parâmetros e valores determinados pela Lei Orçamentária Anual (LOA). O orçamento, por sua vez, deve estar adequado à Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) e ao Plano Plurianual (PPA), em respeito aos princípios da hierarquia e da integração normativa.
Entretanto, a jurisprudência da Corte consolidou a premissa de que a existência de dotação legal é suficiente para que haja o cumprimento integral da portaria que reconhece a condição de anistiado político. Demonstrada, portanto, a existência de dotação orçamentária, decorrente de presumida e legítima programação financeira pela União, não se visualiza afronta ao princípio da legalidade da despesa pública ou às regras constitucionais que impõem limitações às despesas de pessoal e concessões de vantagens e benefícios pessoais.
Assim, a recusa de incluir em orçamento o crédito previsto em portaria concessiva de anistia afronta o princípio da dignidade da pessoa humana. Afinal, trata-se de cidadão cujos direitos preteridos por atos de exceção política foram admitidos com anos de atraso pelo Estado, não podendo esse se recusar a cumprir a reparação econômica reconhecida como devida e justa por procedimento administrativo instaurado com essa finalidade. A opção do legislador, ao garantir os direitos a esses anistiados, foi de propiciar restabelecimento mínimo dessa dignidade àqueles que a tiveram destroçada por regime antidemocrático outrora instalado.
Havendo o reconhecimento do débito pelo órgão público em favor do anistiado político e a destinação da verba em montante expressivo em lei, não há como acolher a tese de inviabilidade do pagamento pela ausência de previsão orçamentária.
O Tribunal salientou, ainda, que admitir a limitação da dotação orçamentária para a satisfação dos efeitos retroativos da concessão de reparação econômica somente aos anistiados que firmaram termo de adesão, nos termos da Lei 11.354/2006, levaria ao reconhecimento da sujeição compulsória do anistiado político ao parcelamento previsto nessa norma.
Considerando-se que não houve violação do princípio da prévia dotação orçamentária, não se admite o argumento de que o pagamento dos valores retroativos levará a situação de insolvência. A inexistência de recursos deve ser real e demonstrada de forma esclarecedora. Não basta a mera alegação de que se poderá levar a Administração à exaustão orçamentária.
Quanto à aplicação do regime de precatórios para pagamento de valores retroativos, o Colegiado rememorou orientação jurisprudencial no sentido de se determinar o pagamento de reparação econômica retroativa em razão da existência de leis orçamentárias posteriores à edição da respectiva portaria de anistia com previsão de recursos financeiros especificamente para a liquidação de indenizações deferidas a anistiados políticos, a afastar a aplicação do art. 100 da Constituição.
A indenização devida ao anistiado político integra grupo específico que merece tratamento diferenciado por disposição constitucional (ADCT, art. 8º). Porém, no caso de anistia, não se condena o Poder Público ao pagamento de determinado valor em decorrência de decisão judicial, como ocorre com precatórios. A punição ocorre em virtude de determinação administrativa, de forma que o pagamento deve ser imediato.
O orçamento, embora seja lei em sentido formal, é autorizativo. Não se constitui em reconhecimento da dívida estatal. A obrigação está na portaria, e o Poder Público pode, excepcionalmente, fundamentar a impossibilidade de cumprir a lei e a decisão administrativa vinculante. Nessa hipótese, a União deve, justificada e detalhadamente, motivar a decisão quando da elaboração do orçamento anual, além de indicar por que não cumpre a decisão administrativa vinculante.
No caso concreto, como havia rubricas no orçamento destinadas ao pagamento das indenizações devidas e não foi demonstrada a ausência de disponibilidade de caixa, a União há de promover o pagamento imediato do valor ao recorrido, sem cogitar a observância ao regime dos precatórios. Ademais, não se deve determinar a inclusão da dívida reconhecida no orçamento para o próximo ano, pois a mora já se operou e pagamentos foram realizados a terceiros durante os anos em que o anistiado deixou de ter seu crédito atendido.
O ministro Edson Fachin ressalvou inexistir incompatibilidade entre o pagamento de reparação decorrente de anistia e o regime de precatórios. A forma de pagamento inicial é a satisfação imediata, no prazo legal, havendo disponibilidade. Do contrário, é dever da União incluir no exercício orçamentário seguinte, não se fechando à hipótese, no caso de não pagamento, do regime de precatórios.
O ministro Luiz Fux corroborou ser cabível o mandado de segurança como instrumento para pleitear essa espécie de pagamento em face da Administração. Afinal, não há dúvida sobre a existência do débito — a ensejar ação de cobrança —, mas ato omissivo do Estado.
O ministro Ricardo Lewandowski sublinhou que, na hipótese de fraude na concessão de anistia, há de se observar o procedimento do art. 17 da Lei 10.559/2002. Comprovada a falsidade dos motivos que ensejaram a declaração da condição de anistiado político, surge a obrigação de ressarcir os cofres públicos, sem prejuízo de outras sanções.
RE 553710/DF, rel. Min. Dias Toffoli, julgamento em 17.11.2016. (RE-553710)
Vídeo Programa Plenárias do STF
Íntegra da Sustentação Oral do Dr. Marcelo Pires Torreão no STF