Anistia Cabo. Anulação de anistia de ex-cabo da FAB é afastada por vitória da TMLD Advocacia

Anistia Cabo. Anulação de anistia de ex-cabo da FAB é afastada por vitória da TMLD Advocacia

Anulação de anistia

O escritório Torreão, Machado e Linhares Dias Advocacia alcançou vitória no Supremo Tribunal Federal para restabelecer a anistia de ex-cabo da Força Aérea Brasileira que havia sido anulada. O julgamento foi unânime e resultou no seguinte acórdão:

FEDERAL
RELATOR :MIN. EDSON FACHIN
RECTE.(S) :
ADV.(A/S) :MARCELO PIRES TORREÃO E OUTRO(A/S)
RECDO.(A/S) :UNIÃO
ADV.(A/S) :ADVOGADO-GERAL DA UNIÃO
RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. REVISÃO DE ANISTIA CONCEDIDA COM FUNDAMENTO NA PORTARIA Nº 1.104/1964. DESNECESSIDADE DE DILAÇÃO PROBATÓRIA. ADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA. MÉRITO. PORTARIA Nº 1.203/2012-MJ. DECADÊNCIA DO ATO DE ANULAÇÃO DA ANISTIA. AUSÊNCIA DE MÁ-FÉ DO ANISTIADO. IMPOSSIBILIDADE DE CONSIDERAR NOTAS E PARECERES EMANADOS PELA ADVOCACIA-GERAL DA UNIÃO COMO MEDIDAS IMPUGNADORAS DA VALIDADE DO ATO, NOS TERMOS DO ART. 54, §2º DA LEI Nº 9.784/1999. PROVIMENTO DO RECURSO.
1. Encontrando-se o feito devidamente instruído por farto material documental, mostra-se despicienda dilação probatória a alargar o âmbito de cognição no presente mandado de segurança, donde restar adequada a via eleita pelo Impetrante para albergar o direito líquido e certo que alega possuir.
2. O prazo decadencial para a anulação de atos administrativos que geram efeitos favoráveis aos administrados é de cinco anos, nos termos do artigo 54 da Lei nº 9.784/1999, comportando apenas duas hipóteses de afastamento da decadência administrativa: a má-fé do beneficiário e a existência de medida administrativa impugnadora da validade do ato.
3. O processo administrativo de revisão da anistia do Impetrante expressamente afastou a existência de má-fé por parte do anistiado quando do requerimento para o reconhecimento dessa condição.
4. Não se qualificam Notas e Pareceres emanados por membros da Advocacia-Geral da União como “medida de autoridade administrativa da Lei nº 9.784/99, em razão da generalidade de suas considerações, bem como do caráter meramente opinativo que possuem no caso em tela.
5. Ademais, em se tratando de competência exclusiva para a concessão, revisão ou revogação de anistia política, somente ato do Ministro de Estado da Justiça, na qualidade de autoridade administrativa, tem o condão de, uma vez destinado à impugnação específica de ato anterior, obstaculizar o transcurso do prazo decadencial para sua anulação.
6. Assim, como decorreu mais de cinco anos entre a Portaria que reconheceu a condição de anistiado ao Impetrante e a publicação da Portaria Interministerial nº 134/2011-MJ, ato conjunto entre o Ministro da Justiça e o Advogado-Geral da União que determinou a abertura de processo administrativo de revisão das anistias políticas concedidas com fundamento na Portaria nº 1.104/1964, do Ministro de Estado da Aeronáutica, constata-se a decadência do direito da Administração de anular o ato de concessão da anistia.
7. Recurso ordinário provido, com o restabelecimento da anistia política reconhecida ao Impetrante.

A C Ó R D Ã O

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal, sob a Presidência do Senhor Ministro Luís Roberto Barroso, na conformidade da ata de julgamento e das notas taquigráficas, por unanimidade de votos, em dar provimento ao recurso ordinário, nos termos do voto do Relator.
Brasília, 2 de agosto de 2016.
Ministro EDSON FACHIN
Relator

ECURSO ORD. EM MANDADO DE SEGURANÇA 31.841 DISTRITO
FEDERAL
RELATOR :MIN. EDSON FACHIN
RECTE.(S) :
ADV.(A/S) :MARCELO PIRES TORREÃO E OUTRO(A/S)
RECDO.(A/S) :UNIÃO
ADV.(A/S) :ADVOGADO-GERAL DA UNIÃO
RELATÓRIO
O SENHOR MINISTRO EDSON FACHIN: Trata-se de Recurso Ordinário
interposto em face de acórdão do Superior Tribunal de Justiça que negou
provimento a Agravo Regimental.
O Impetrante, Carlos dos Santos de Oliveira, pretende por meio deste writ a anulação da Portaria nº 1.203/2012, do Ministro de Estado da Justiça, que revogou a anistia que lhe fora concedida.
Sustenta ter ingressado na Aeronáutica antes da edição da Portaria nº 1.104/1964, ato este que determinou o licenciamento dos cabos com mais de oito anos de serviço militar, como forma de represália ao apoio dado pelas associações da categoria ao Presidente deposto João Goulart.
Afirma que referida Portaria foi considerada pela Comissão de Anistia como um ato de exceção de natureza exclusivamente política, autorizando, desta forma, o reconhecimento da condição de anistiado do Impetrante e de outros ex-cabos da Aeronáutica em situação semelhante.
Assim, a anistia foi-lhe reconhecida pela Portaria nº 1.918, de 25 de novembro de 2003, passando a receber indenização mensal a partir de
fevereiro de 2006.
Aduz que em 16 de fevereiro de 2011 foi publicada a Portaria Interministerial nº 134, editada pelo Ministro da Justiça e pelo Advogado-Geral da União, instituindo Grupo de Trabalho para revisar as portarias de concessão de anistia, concedidas unicamente com fundamento na Portaria nº 1.104/1964. No caso específico do Impetrante, o Grupo de Trabalho proferiu o Voto nº 176/2012-GTI, opinando pela anulação da portaria que lhe reconhecera a condição de anistiado, o que foi acatado pelo Ministro da Justiça, que editou a Portaria nº 1.203/2012 com a finalidade de anular a anistia concedida pela Portaria nº 1918/2003.
Sustenta o Impetrante, em síntese: (i) que houve violação do devido processo legal e da ampla defesa; (ii) houve o decurso do prazo decadencial para a anulação do ato administrativo de concessão da anistia; (iii) inexiste medida administrativa impugnadora da validade das Portarias antes da edição do ato coator; (iv) incompetência do Grupo de Trabalho Interministerial para analisar questões afetas à anistia política; (v) apenas o Ministro da Justiça é competente, de forma exclusiva, para a concessão, revisão ou anulação de anistias políticas; (vi) impossibilidade de que nova interpretação conferida pela Administração seja aplicada retroativamente, a teor do disposto no artigo 2º, parágrafo único, inciso XIII da Lei nº 9.784/1999. Pugnou pela concessão de medida liminar, para a suspensão dos efeitos da Portaria nº 1.203/2012, e no mérito, a concessão da ordem para a anulação do referido ato, com a restauração da Portaria que reconheceu sua condição de anistiado político.
A liminar pleiteada foi concedida pelo Relator do feito no Superior Tribunal de Justiça.
A autoridade coatora defendeu a validade do ato questionado, asseverando que o prazo decadencial para a anulação do ato que concedeu a anistia política ao Impetrante teve início apenas em 2006, quando a Administração tomou conhecimento do erro cometido pela Comissão de Anistia ao promover a concessão de anistias aos ex-cabos da Aeronáutica com fundamento apenas na Portaria nº 1.104/1964. Sustenta que a Nota AGU/JD-1/2006 é medida impugnadora da validade do ato a ser anulado, nos termos do §2º do artigo 54 da Lei nº 9.784/99, e, portanto, obstou o transcurso do prazo decadencial, e que o ato nulo não gera efeitos no mundo jurídico, tendo agido com esteio nas Súmulas 346 e 473/STF.
Em decisão monocrática, o Relator indeferiu monocraticamente o pedido, revogando a decisão liminar. No julgamento do agravo regimental interposto pelo Impetrante, o Superior Tribunal de Justiça manteve a decisão, com a seguinte ementa:
“PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. AGRAVO REGIMENTAL NO MANDADO DE SEGURANÇA. ANISTIA POLÍTICA. MILITAR. INSTAURAÇÃO DE PROCEDIMENTO TENDENTE A REVER O INDIGITADO ATO. ALEGAÇÃO DE DECADÊNCIA. ART 54 DA LEI Nº 9.784/99. NECESSIDADE DE DILAÇÃO PROBATÓRIA. INADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA.
1. A Primeira Seção, no julgamento do MS n. 15.457/DF, da relatoria do Sr. Ministro Castro Meira, na assentada de 14/3/2012, firmou o entendimento de que o mero decurso do prazo de 5 (cinco) anos não ostenta a propriedade de impedir que a Administração revise seus próprios atos, porque a ressalva do art. 54, parte final do caput, da Lei n. 9.784/99 permite a sua anulação a qualquer tempo, caso fique demonstrada, no bojo do processo administrativo, a má-fé do beneficiário, bem como que a via mandamental não é servil à análise dessa questão em virtude da necessidade de dilação probatória.
2. Agravo regimental não provido.”
Inconformado, o Impetrante interpôs recurso ordinário, alegando, em síntese: (i) inexistência de má-fé reconhecida pela Administração; (ii) a Nota AGU/JD-1/2006 não se presta a interromper o transcurso do prazo decadencial quinquenal que possui a Administração para rever seus atos. Requer, assim, a anulação do acórdão prolatado pelo STJ, com a devolução da matéria àquela Corte para proferir o julgamento de mérito.
A União apresentou contrarrazões, pugnando pela manutenção do acórdão guerreado.
Em Parecer, a Procuradoria-Geral da República opina pelo provimento do recurso ordinário, com o reconhecimento do transcurso do prazo decadencial para a revisão do ato concessivo da anistia política ao Impetrante.
É o relatório.

O SENHOR MINISTRO EDSON FACHIN: Trata o presente writ de irresignação em face de Portaria editada pelo Ministro de Estado da Justiça, que anulou a Portaria que reconheceu a condição de anistiado do Impetrante, nos termos do artigo 8º do ADCT e da Lei nº 10.559/2002.

Originariamente impetrado perante o Superior Tribunal de Justiça, o feito teve seu seguimento obstado, porque aquela Corte entendeu pela necessidade de dilação probatória para a análise do feito, a fim de saber se havia ou não óbice ao transcurso do prazo decadencial quinquenal a fulminar o direito de anulação do ato administrativo por parte da autoridade apontada como coatora.
Nada obstante, entendo que todos os elementos probatórios estão colocados nos autos, por meio do farto material documental juntado pelos litigantes, restando desnecessária eventual dilação probatória a alargar o âmbito de cognição para o correto deslinde da questão trazida no mandado de segurança.
De fato, o nó górdio do mandamus que ora se analisa centra-se em  saber se houve o transcurso do prazo decadencial para que a Administração anule o ato administrativo de reconhecimento ao Impetrante da condição de anistiado político, em virtude da Portaria nº 1.104/64 da Aeronáutica, com a extensão de todos os direitos e reparações financeiras advindos desse reconhecimento.
Nesse sentido, sustenta o Impetrante que, uma vez que a Portaria concessiva da condição de anistiado data do ano de 2003, e a efetiva anulação ocorreu apenas no ano de 2012, já de há muito transcorreu o prazo legal de cinco anos para a anulação do ato. De outra parte, sustentam a autoridade coatora e a litisconsorte ter havido causa obstativa à fluência desse prazo fatal, além de imputar à circunstância nulidade que não pode ser convalidada pela passagem do tempo.
Logo, em que pese a decisão da Corte a quo, entendo que a questão encontra-se devidamente instruída por prova documental, sendo  despicienda a abertura de fase instrutória; assim, entendo que os requisitos para o conhecimento e análise de mérito do presente mandado de segurança estão presentes, restando evidenciada a necessidade de reforma da decisão guerreada, pois a via eleita pelo Impetrante mostra-se adequada para albergar eventual atendimento de sua pretensão.
Contudo, observo que o processo encontra-se maduro para julgamento, sendo mister a aplicação do contido no artigo 1.013, §3º, inciso I do Código de Processo Civil, pois, uma vez que as condições da ação estão presentes, e o contraditório foi rigorosamente observado quando do processamento do feito, entendo que o mérito da demanda pode ser apreciado e julgado por esta Corte.
A Portaria nº 1.104/1964, editada pela Aeronáutica dentro do contexto do governo militar, veio a modificar as condições para o engajamento e reengajamento dos cabos, de modo a evitar que aqueles que não fossem promovidos ao Oficialato pelas vias ordinárias não pudessem permanecer nas fileiras da Corporação, devendo ser licenciados ao atingir oito anos de serviço militar, antes, portanto, de alcançar os nove anos de serviço necessários à aquisição da estabilidade.
Referido ato normativo revogou a Portaria nº 570/1954, por meio da qual os cabos possuíam a legítima expectativa de permanecer prestando serviços junto à Força Aérea Brasileira, dada a possibilidade de sucessivos engajamentos e reengajamentos até o alcance da idade necessária para a reforma.
A controvérsia instaurada junto à Administração Federal reside no questionamento quanto à natureza de ato de exceção de natureza exclusivamente política, apto a subsidiar pedidos de anistia política por parte de ex-cabos que se afirmam prejudicados pelo ato normativo.
A Comissão de Anistia, instaurada junto ao Ministério da Justiça com a função de assessoramento do Ministro nas decisões acerca das concessões das anistias (artigo 12 da Lei nº 10.559/2002), após debates acerca da efetiva intenção administrativa ao expedir a Portaria nº 1.104/1964, dada a motivação de evitar a formação de lideranças entre os cabos que pudessem contestar o novo regime, já que a orientação predominante entre a categoria era de apoio ao governo deposto, editou a Súmula Administrativa nº 2002.07.003, no seguinte sentido:
“A Portaria nº 1.104, de 12 de outubro de 1964, expedida pelo Senhor Ministro de Estado da Aeronáutica, é ato de exceção, de natureza exclusivamente política”.
Com base nesse entendimento, diversas anistias foram concedidas a ex-cabos da Aeronáutica, inclusive ao Impetrante, que obteve, por meio da Portaria nº 1.918, de 25 de novembro de 2003, o reconhecimento da sua condição de anistiado político.
O Impetrante foi incorporado à Força Aérea Brasileira em 16 de fevereiro de 1960, tendo sido reengajado em outubro de 1966, e posteriormente licenciado em 03 de janeiro de 1969, com fundamento na Portaria nº 1.104/64, pelo alcance do prazo para permanência no serviço militar. Com base nesses fatos, foi-lhe concedida a anistia política no ano de 2003.
Contudo, o posicionamento da Comissão de Anistia passou a ser objeto de questionamento dentro dos Ministérios da Justiça e da Defesa, culminando em Notas Técnicas e Pareceres opinando pela revisão das anistias já concedidas. Destaque-se, dentre eles, a Nota AGU/JD-1/2006 (eDOC 2, p. 28/49), por meio da qual a Advocacia-Geral da União
sustenta que “a revisão das análises implementadas exclusivamente com base na data de ingresso os quadros da Força Aérea Brasileira, mostra-se adequada e justa a fim de se evitar que decisões administrativas carentes de fundamentação, praticadas com base em análises superficiais, sujeitem a União a questionamentos judiciais e a prejuízos patrimoniais e morais”.
Nada obstante, somente em 2011, o Ministro da Justiça, atendendo ao contido na Nota AGU/JD-10/2003, Nota AGU/JD-1/2006, Nota DECOR/CGU/AGU 279/2009 e Parecer 106/2010/DECOR/CJU/AGU, determinou a instauração de Grupo de Trabalho destinado à promoção de revisão das portarias nas quais se reconheceu a condição de anistiados com fundamento na Portaria 1.104/64, por meio da Portaria Interministerial nº 134, de 15 de fevereiro de 2011.

Instaurado processo administrativo em face do Impetrante, sobreveio Voto nº 176/2012 (eDOC 1, p. 94/109), opinando pela anulação do ato de concessão da anistia, pela falsidade de seus motivos (art. 17 da Lei nº 10.559/2002), uma vez que a Portaria nº 1.104/1964 não seria ato de exceção de motivação exclusivamente política, e o fato de o anistiado ter sido reengajado já na vigência do ato normativo demonstraria a inexistência de perseguição política individual em relação a ele.
Acatando o Voto, o Ministro da Justiça, por meio da Portaria nº 1.203, de 21 de junho de 2012, anulou a Portaria Ministerial nº 1.918/2003, que declarou a condição de anistiado de Carlos dos Santos de Oliveira.
Traçado o escorço fático necessário à compreensão da controvérsia, é de relevo anotar que a presente lide diferencia-se de outra bastante comum nesta Corte, a qual diz respeito à possibilidade de instauração de processo administrativo com a finalidade de revisão das anistias concedidas com base na Portaria nº 1.104/64 da Aeronáutica. Nessas hipóteses, o entendimento deste tribunal é pacífico no sentido de inexistir ilegalidade na Portaria Interministerial nº 134/2011, pois somente no curso regular dos processos administrativos será possível demonstrar a existência de causas obstativas do transcurso do prazo decadencial previsto pelo artigo 54 da Lei nº 9.784/99, estando ausente, nesse momento, qualquer violação a direito líquido e certo dos anistiados.
No entanto, a hipótese que aqui se coloca é distinta. Uma vez finalizado o processo administrativo, a autoridade apontada como coatora decidiu pela anulação da Portaria concessiva da condição de anistiado ao Impetrante, acarretando como consequência a perda do direito à percepção de benefício de prestação continuada a que mensalmente fazia jus.
Diversa a hipótese fática, coloca-se aqui, a toda evidência, o problema da decadência administrativa, que poderia obstar o direito da Administração de revisar os atos que geraram efeitos aos administrados, passados cinco anos do reconhecimento desse direito.
E, bem analisando a controvérsia, entendo assistir razão ao Impetrante, tendo restado configurada a decadência do direito de anulação do ato administrativo de concessão da anistia política, na hipótese ora analisada.
O conteúdo do artigo 54 da Lei nº 9.784/1999 estabelece apenas duas causas de interrupção do transcurso do prazo decadencial:
“Art. 54. O direito da Administração de anular os atos administrativos de que decorram efeitos favoráveis para os destinatários decai em cinco anos, contados da data em que foram praticados, salvo comprovada má-fé.
§ 1o No caso de efeitos patrimoniais contínuos, o prazo de decadência contar-se-á da percepção do primeiro pagamento.
§ 2o Considera-se exercício do direito de anular qualquer medida de autoridade administrativa que importe
impugnação à validade do ato”.
Logo, há de se perquirir acerca: (i) da má-fé do Impetrante ao requerer o reconhecimento da condição de anistiado político; (ii) da existência de medida de autoridade administrativa apta a configurar impugnação à validade do ato.
Quanto a má-fé do Impetrante, esta restou expressamente afastada pela própria Administração, eis que o Voto nº 176/2012/GTI consignou a inexistência de má-fé por parte do anistiado, razão pela qual recomendou que os valores pagos não fossem restituídos ao erário, como se depreende do seguinte trecho:
“Penso, contudo, que não se pode aplicar ao presente caso a consequência jurídica prevista pela parte final do art. 17 da Lei nº 10.559/02 (‘ficando ao favorecido o encargo de ressarcir a Fazenda Nacional pelas verbas que houver recebido indevidamente’).
Referido dispositivo legal deve ser interpretado a partir do princípio da proteção à confiança legítima.

Deve-se considerar, ademais, que o ato por meio do qual foi reconhecida a condição de anistiado político ao ora interessado goza de presunção de legitimidade e, além disso, não é precário.
Nesse contexto, penso que aquela sanção somente pode ser aplicada nos casos em que a Administração tenha sido induzida, por conduta maliciosa do interessado, a considerar como verdadeiros motivos falsos, ou seja, quando este tenha contribuído, com sua conduta, para a prática do ato ilegal, agindo de má-fé – o que aqui não ocorreu.”
Ressalte-se que o Voto foi integralmente acolhido pela autoridade coatora quando da edição do ato que fulminou o anterior reconhecimento da condição de anistiado político ao Impetrante.
O motivo para a anulação do ato de concessão da anistia política, portanto, foi a mudança na interpretação do Ministério da Justiça a cerca da natureza da Portaria nº 1.104/64, e não eventual conduta maliciosa imputável ao Impetrante.
Logo, se não se cogita de má-fé no requerimento de reconhecimento da condição de anistiado político, a causa interruptiva contida na parte final do caput do artigo 54 da Lei nº 9.784/99 não se aplica ao caso ora sob debate.
De outra parte, quanto ao contido do §2º do citado dispositivo, sustenta a União, ora Recorrida, que a Nota AGU/JD-1/2006 presta-se a figurar como “medida de autoridade administrativa que importe impugnação à validade do ato”, de modo a obstaculizar a passagem do prazo quinquenal para a anulação do ato administrativo favorável ao Impetrante.
Nesse ínterim, o Parecer da Procuradoria-Geral da República bem delineia a questão (eDOC 26):
“Está visto que a anulação da anistia se deu bem depois dos 5 anos da sua concessão ao impetrante. Da mesma forma, está assentado que o recorrente não se portou com má-fé perante a Administração. A segurança, assim, somente pode deixar de ser deferida se a Nota AGU/JD/1-2006 for tida como suficiente para vencer a decadência.
A Nota está reproduzida nos autos (e-STJ fls. 142/186) e inicia informando que resultou de “dúvidas [do Ministro da Justiça] a respeito da legalidade e do espectro de abrangência da Súmula Administrativa n. 2002.07.0003, da Comissão de Anistia” (e-STJ fl. 142). Essa súmula consignava que “a Portaria n. 1.104, de 12 de outubro de 1964, expedida pelo Senhor Ministro de Estado da Aeronáutica, é ato de exceção, de natureza exclusivamente política”. Produzida por Consultor da União e aprovada pelo Advogado-Geral da União, a Nota entendeu que “não são recomendáveis generalizações semelhantes à que foi adotada pela Comissão de Anistia do Ministério da Justiça por ocasião da edição da Súmula” (e-STJ fl. 150). Sustentou ser “indispensável que a Comissão de Anistia proceda à análise pormenorizada de cada ato apontado como ato de exceção de natureza exclusivamente política” (e-STJ fl. 152). Entre as suas conclusões, o parecer da AGU afirmou que a revisão das análises implementadas exclusivamente com base na data de ingresso nos quadros da Força Aérea Brasileira, mostra-se adequada e justa” (e-STJ fl. 162). A Nota, então, seguiu para o Ministério da Justiça.
Como se vê, a Nota não anulou portaria alguma, apenas deduziu crítica a critério de julgamento de pedidos administrativos por parte da Comissão de Anistia e recomendou outra forma de tratamento da questão e a revisão de casos passados. A Nota não abriu processo administrativo nenhum, nem formulou censura ao processo específico do
impetrante – até porque não era seu propósito investigar caso-a-caso as concessões concluídas até ali.
A Nota apresenta caráter de resposta a dúvidas jurídicas que inquietaram o Ministro da Justiça, como ela mesma refere no seu início. Providência concreta relativa à concessão da anistia ao impetrante, porém, somente ocorreu quando, em 2011, o Ministro da Justiça, a quem incumbiria anular o ato da Comissão, determinou a revisão da anistia de diversos beneficiados, inclusive do impetrante.
Este sendo o quadro, não há se predicar ao parecer de 2006 a qualidade de ato de impugnação à anistia reconhecida ao impetrante três anos antes. A Nota é opinativa, desprovida da virtude de deflagrar, por si, procedimento de desfazimento do ato concreto que havia beneficiado o atual recorrente. Não há se ver, por isso, na Nota traços típicos de impugnação à anistia concretamente deferida em processo específico. A Nota não reflete o exercício do direito de anular o ato, para os fins do
§ 2º do art. 54 da Lei nº 9.784/99”.
Ora, como bem apontado pelo Ministério Público Federal, não é possível que Nota de caráter opinativo – até porque não gestou, sozinha, nenhum efeito concreto em relação à anulação da anistia concedida ao anistiado – possa ser considerada como medida de impugnação ao ato administrativo posteriormente anulado.

Em primeiro lugar, é preciso ressaltar que o primeiro ato que promoveu impugnação efetiva às anistias concedidas com base na Portaria nº 1.104/64 foi a Portaria Interministerial nº 134/2011, por meio da qual o Ministro da Justiça, conjuntamente ao Advogado-Geral da União, instaurou Grupo de Trabalho destinado à abertura dos processos administrativos de revisão das anistias concedidas com fundamento no ato exarado pelo Ministro da Aeronáutica, à época.
As Notas e Pareceres elaborados por membros da Advocacia-Geral da União, em especial quando não contêm conteúdo vinculante à Administração, não têm o condão de figurar como medida de autoridade apta a obstar a decadência administrativa no presente caso.
Em primeiro lugar, são instrumentos de caráter genérico, que não se referem à questão específica do Impetrante (ou mesmo de outros anistiados) e que apenas sugerem ao Ministro da Justiça que determine à Comissão de Anistia a observância das suas conclusões acerca da insubsistência da interpretação contida na Súmula Administrativa nº 2002.07.0003.
Em segundo lugar, facultar a qualquer agente integrante da Administração Pública a possibilidade de impugnar ato emanado por Ministro de Estado com competência exclusiva para a prática do referido ato administrativo não configura a adequada interpretação à norma contida no §2º do artigo 54 da Lei nº 9.784/99.
De fato, se apenas o Ministro de Estado da Justiça detém a competência exclusiva para decidir sobre concessão, revisão e revogação das anistias políticas, apenas ele pode ser considerado como autoridade cujas medidas impugnativas podem prestar-se a obstar o prazo decadencial para anulação de atos já consolidados no tempo.
Nesse sentido, já decidiu o C. Superior Tribunal de Justiça:
“MANDADO DE SEGURANÇA. REVISÃO DE ANISTIA CONCEDIDA COM BASE NA PORTARIA 1.104-GMS/1964. DECADÊNCIA DO ATO DE ANULAÇÃO. NOTAS E PARECERES DA AGU QUE NÃO SE PRESTAM À CARACTERIZAÇÃO DE MEDIDA IMPUGNATIVA NOS TERMOS DO § 2º DO ART. 54 DA LEI 9.784/99. MATÉRIA EXAMINÁVEL NA VIA MANDAMENTAL. AFRONTA AO ART. 8º DA CF/88. VIOLAÇÃO REFLEXA. PRECEDENTES DO STF. SEGURANÇA CONCEDIDA.
1. A Constituição Federal, no § 5º do seu art. 37, previu que “A lei estabelecerá os prazos de prescrição para ilícitos praticados por qualquer agente, servidor ou não, que causem prejuízos ao erário, ressalvadas as respectivas ações de ressarcimento”. De igual modo, por compreensão extensiva, incumbe à lei a determinação de prazo de decadência quando desta se tratar, conforme sobreveio no art. 54, §§ 1º e 2º, da Lei 9.784/99, que regula o processo administrativo no âmbito da Administração Pública Federal.
2. Não incide a ressalva inscrita na parte final do caput do art. 54 da 9.784/99, pois não se fala, em momento algum, na ocorrência de má-fé, vício que não pode ser presumido.
3. O conceito de “autoridade administrativa”, a que alude o § 2º do art. 54 da Lei de Processo Administrativo, não pode ser estendido a todo e qualquer agente público, sob pena de tornar inaplicável a regra geral contida no caput, em favor da decadência.
4. Devem ser consideradas como “exercício do direito de anular” o ato administrativo apenas as medidas concretas de “impugnação à validade do ato”, tomadas pelo Ministro de Estado da Justiça – autoridade que, assessorada pela Comissão de Anistia, tem competência exclusiva para decidir as questões relacionadas à concessão ou revogação das anistias políticas, nos termos do art. 1º, § 2º, III, da Lei 9.784/99 c/c 10 e
12, caput, da Lei 10.559/02.
5. As NOTAS AGU/JD-10/2003 e AGU/JD-1/2006 não se enquadram na  definição de “medida de autoridade administrativa” no sentido sob exame, haja vista sua natureza de pareceres jurídicos, de caráter facultativo, formulados pelos órgãos consultivos, com trâmites internos, genéricos, os quais não se dirigem, especificamente, a quaisquer dos anistiados sob o pálio da Súmula Administrativa nº 2002.07.0003 da Comissão de Anistia.
6. Manifestações genéricas não podem obstar a fluência do prazo decadencial a favor de cada anistiado, que já contava com o seu direito individual subjetivado, materializado, consubstanciado em ato administrativo da autoridade competente, o Sr. Ministro da Justiça, subscritor da respectiva Portaria concessiva de tal benefício legal, militando, em seu prol, os princípios da legalidade, boa-fé e legitimidade, em consonância com a ordem jurídica em vigor.
7. No caso, a anulação da anistia foi promovida quando já ultrapassados mais de 9 (nove) anos, restando consumada a decadência administrativa, nos termos do caput do art. 54. E, mesmo se considerada, excepcionalmente, a data da publicação da Portaria Interministerial MJ/AGU 134, de 15/2/11, que instaurou procedimento de revisão das anistias, como hábil a afastar a decadência, ainda assim esta já se havia consumado.

8. Admitindo-se, ainda, que o prazo de decadência, previsto no art. 54 da Lei 9.784/99, pode ser interrompido, ou mesmo suspenso, o que, em princípio, é contra a natureza do instituto (art. 207 do CC), ainda assim, para tanto, seria, como é, imprescindível – sob pena de violação às garantias maiores do devido processo, do contraditório, da ampla defesa, etc. – que o beneficiário do prazo em curso seja, individualmente, cientificado do teor do ato interruptivo ou suspensivo, no curso do referido prazo, na forma prescrita no art. art. 66, da Lei 9.784/99, in verbis: “Os prazos começam a correr a partir da data da cientificação oficial, excluindo-se da contagem o dia do começo e incluindo-se o do vencimento”.
9. Presume-se, por força do art. 3º da LINDB (antiga LICC), o conhecimento da lei, sendo defeso escusar o seu cumprimento sob alegação de desconhecê-la. Tal presunção, todavia, não se estende a atos administrativos, como aqueles já referidos, praticados, genericamente, nos idos de 2003 e 2006, pelo MJ e AGU, internamente, sem, contudo, dar conhecimento pessoal aos principais interessados na matéria, quais sejam, os beneficiados pelas anistias, ao abrigo da Súmula Administrativa
2002.07.0003-CA, que dispôs: “A Portaria nº 1.104, de 12 de outubro de 1964, expedida pelo Senhor Ministro de Estado da Aeronáutica, é ato de exceção, de natureza exclusivamente política”.
10. A matéria é plenamente examinável na via do writ, por se tratar, essencialmente, de interpretar qual o alcance das regras legais referidas, pois os fatos da anistia e da sua revogação são incontroversos, tanto quanto o é a inexistência de má-fé, vício sequer mencionado. Incide, assim, a Súmula 625/STF, a saber: “Controvérsia sobre matéria de direito não impede concessão de mandado de segurança.”

11. Não se olvida que o Supremo Tribunal Federal já se manifestou no sentido de que situações flagrantemente inconstitucionais não devem ser
consolidadas pelo simples transcurso do prazo decadencial previsto no art. 54 da Lei 9.784/99. No caso concreto, contudo, a questão a ser dirimida pelo Grupo de Trabalho instituído pela Portaria Interministerial MJ/AGU 134/11 não se vincula a eventual inconstitucionalidade da Súmula Administrativa 2002.07.0003 da Comissão de Anistia.
12. O constituinte originário não se preocupou em definir, no art. 8º, caput, do ADCT, o que seria um ato de exceção, institucional ou complementar, de motivação exclusivamente política, tendo tal encargo sido deixado para o legislador infraconstitucional, que criou a Lei 10.559/02.
13. Ainda que se admita, para argumentar, suposto equívoco da Comissão de Anistia ao editar a Súmula Administrativa 2002.07.0003, tal se resolve no campo infraconstitucional, à luz da Lei 10.559/09, não havendo falar em “ato inconstitucional”, mormente porque eventual afronta à Constituição se daria de forma indireta, o que não desafia exame de (in)constitucionalidade pelo Supremo Tribunal Federal e, muito menos, por esta Corte. Precedentes do STF.
14. Segurança concedida para declarar a decadência do ato que anulou a portaria anistiadora. Custas ex lege. Sem condenação em honorários advocatícios, nos termos da Súmula 105/STJ.”
(MS 18.606/DF, Rel. Ministra ELIANA CALMON, Rel. p/ Acórdão Ministro ARNALDO ESTEVES LIMA, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 10/04/2013, DJe 28/06/2013)
Ora, facultar à União a consideração de pareceres administrativos internos, genéricos, como medidas obstativas do transcurso do prazo decadencial para anulação de ato administrativos, pareceres estes não prolatados por autoridade com competência para a revisão ou revogação do ato, e sem nenhuma possibilidade de interferência da parte interessada em defender o direito questionado, é entregar o controle da decadência – cuja aferição possui natureza eminentemente objetiva – ao alvedrio da Administração Pública, colocando o administrado numa posição de insegurança e sujeição contrários ao Estado Democrático de Direito que se pretendeu instaurar a partir da Carta Cidadã.
Assim, apenas a Portaria Interministerial nº 134/2011, de autoria do  Ministro da Justiça e devidamente publicizada pelos meios oficiais, poderia representar medida apta a interromper a decadência administrativa; no entanto, no momento de sua publicação, tornando pública a instauração de processos administrativos de revisão das anistias concedidas, já se haviam passado mais de sete anos desde o ato concessivo da anistia ao Impetrante.
Nesse sentido, no que concerne aos contornos da decadência administrativa, esta Corte já se manifestou, no julgamento do Mandado de Segurança nº 28.953, de Relatoria da Ministra Cármen Lúcia, em voto do qual se extrai o seguinte trecho:
“7. A União ressalta que o cômputo do prazo decadencial iniciado em 1º.2.1999 teria sido interrompido, pois, em 15.12.2003, foi “encaminha[do] o expediente contendo a denúncia ao relator [, que, em 27.1.2004,] “remeteu a documentação à unidade técnica especializada Sefip” (fl. 126).
No entanto, esses despachos mostram apenas o encaminhamento interno da denúncia, sem que se tenha por eles a interrupção do prazo decadencial. Mesmo porque, nos termos do § 2º do art. 54 da Lei n. 9.784, “considera-se exercício do direito de anular qualquer medida de autoridade administrativa que importe impugnação à validade do ato” (grifos nossos).
8. O ato administrativo capaz de ensejar a interrupção do prazo decadencial, que, em regra, não se suspende ou interrompe (art. 207 do Código Civil), é aquele que “importe impugnação à validade do ato”. Ou seja,é aquele que represente verdadeira contestação, oposição ou questionamento sobre a validade do ato em exame.
Em 27.1.2004, ao receber a denúncia, o Ministro Ubiratan Aguiar despachou: “remeta-se a documentação à SEFIP para exame quanto à confirmação relativa do fato relatado (…) que poderá ser realizada por diligência, e proposta de encaminhamento” (fl. 3, apenso 1, grifos nossos).
Em 28.4.2004, a Secretaria de Fiscalização de Pessoal do Tribunal de Contas da União esclareceu que “obteve a confirmação dos fatos ocorridos, mas não de forma suficiente para confirmar ou afastar a suspeita de irregularidade, [pelo que] prop[ôs] que a peça seja recepcionada como denúncia, para apuração minudente” (fl. 2, apenso 1, grifos nossos). A partir daí foi instaurado o Processo TCU n. 005.385/2004 com o objetivo de aferir a legalidade das ascensões funcionais realizadas pelo Tribunal Superior do Trabalho.
Os atos que precederam a instauração do processo limitaram-se a apurar a existência dos fatos narrados na
denúncia, cuja legalidade seria objeto de análise e julgamento
naquele processo. Assim, apenas a instauração do processo pelo
Tribunal de Contas da União teve o condão de interromper o
curso do prazo decadencial”.
Nem se há de afirmar que o ato não é passível de convalidação pelo
tempo, dada a sua incompatibilidade com a Constituição. A uma, porque
a jurisprudência desta Casa apenas excepciona o transcurso do prazo
decadencial em hipóteses de flagrante inconstitucionalidade, e não é
disso que se trata nos presentes autos. De fato, da farta documentação
trazida aos autos, depreende-se que houve no âmbito administrativo
intensos debates, de 2003 a 2011, acerca da efetiva natureza da Portaria nº
1.104/1964, a qual primeiramente foi considerada como ato de exceção de
motivação exclusivamente política, época na qual foi concedida a anistia
ao Impetrante, e posteriormente passou-se a exigir provas complementares para o reconhecimento da condição de anistiado aos requerentes, considerando-se insuficiente a simples referência ao ato
normativo editado no contexto do governo militar.
Assim sendo, não se trata de inconstitucionalidade da concessão da anistia, mas sim de nova interpretação acerca de atos normativos e fatos aptos ao reconhecimento do efetivo enquadramento como anistiado
político.
E, a duas, o conceito de motivação política foi remetido pelo artigo 8º do ADCT à legislação regulamentadora, qual seja, a Lei nº 10.559/2002, a qual expressamente, em seu artigo 2º, inciso XI, reconhece que aqueles
que foram licenciados em decorrência de atos expedidos com motivação
política.
A questão, no fundo, refere-se a erro da Administração, em decorrência de nova interpretação conferida a fatos ocorridos em 1964. Logo, em não se tratando de inconstitucionalidade flagrante, não há que se cogitar da impossibilidade de configuração da decadência administrativa no caso em tela.
Diante do exposto, em se considerando inexistir medida administrativa impugnadora do ato de concessão de anistia ao Impetrante, antes da Portaria Interministerial nº 134/2011, bem como por ter restado expressamente afastado eventual agir de má-fé por parte do anistiado, ocorreu a decadência do direito da Administração de anular o ato administrativo que reconheceu a condição de anistiado político ao Impetrante, ato este que foi publicado em novembro de 2003, tendo transcorrido, portanto, mais de cinco anos entre ele e a Portaria que deflagrou o processo administrativo de revisão da anistia.
Em conclusão, o voto é pelo provimento do recurso ordinário, com o restabelecimento da anistia política.

VOTO
A SENHORA MINISTRA ROSA WEBER – Senhor Presidente, eu, louvando como sempre o percuciente voto do eminente Relator e saudando também as belas sustentações orais, manifesto a minha integral concordância com o voto exarado, no sentido do provimento do recurso ordinário, não só pelos fundamentos, como disse, profundos e que a mim me convenceram em absoluto, mas também me reportando ao parecer do Doutor Paulo, que inclusive lembra a lição que me causa tanta alegria ver aqui relembrada, do professor Almiro do Couto e Silva, que honra as tradições gaúchas.
Eu acompanho o eminente Relator.

VOTO
O SENHOR MINISTRO LUIZ FUX – Senhor Presidente, eu também, neste caso específico, vou acompanhar o Relator porque há uma peculiaridade.
Genericamente, nós hoje estamos num panorama do Direito Administrativo bastante alterado. Antigamente, a regra era que a Administração Pública poderia anular os seus próprios atos no exercício de autodefesa. Hodiernamente, com a mudança do paradigma do Direito Administrativo, na doutrina de Bachof, citada pelo eminente Procurador da República e também pelo professor Almiro, prevalece o princípio da proteção da confiança. Assim, o Estado não pode anular os seus próprios atos e, se quiser fazê-lo, deve convocar o interessado e justificar por que o faz. Então, houve completamente uma mudança sob essa ótica, e isso influi na anulação de todos os atos administrativos.
O ato aqui em tela vem regulado na lei de procedimentos administrativos, que dispõe que o direito da administração de anular os atos de que decorram efeitos favoráveis aos destinatários decaem em cinco anos, contados da data em que foram praticados, salvo comprovada má-fé.
Quando eu estava no Superior Tribunal de Justiça e analisava, sob o ângulo infraconstitucional, essa lei do procedimento administrativo, eu entendia, inclusive, que a Administração Pública disporia do prazo de cinco anos para concluir o processo de anulação da anistia, não é para começar o processo. Ela tinha cinco anos para anular a anistia. Cinco anos significa conclusão do procedimento administrativo. E aí estabelece, aqui, o dispositivo legal: que essa, para casos de efeitos patrimoniais ou prazo de decadência, conta-se da primeira percepção do pagamento e, salvo comprovada má-fé, esse prazo pode ser postergado.
No caso específico, foi excluída a má-fé textualmente e aqui há um aspecto interessante que por vezes é utilizado como argumento para a
Administração Pública, no meu modo de ver, de maneira imoderada, vamos dizer assim, uma fórmula que serve para tudo. Porque essa nota técnica da administração, para que ela tenha o efeito de caracterizar o início de ato de impugnação do ato que supervenientemente venha a ser anulado, ela tem que se referir, especificamente, àquele ato administrativo, são medidas anteriores – uma notificação, uma convocação do suposto anistiado para se manifestar sobre um procedimento prévio -, mas não é uma nota técnica crítica com relação ao enunciado de uma súmula administrativa que foi editada num período e anos depois é que se iniciou o processo de anistia.
Então, quer dizer, à luz desse novo paradigma do direito administrativo, com muito mais razão não se pode admitir que qualquer ato da Administração que não tem nenhuma vinculação com o ato anulado tenha o condão de impedir a decadência, que já foi instituída no art. 54 pela nova lei, diante dessa nova percepção de que nós não vivemos mais na época em que se afirmava que the king can do no wrong. Hoje, a administração erra e ela pode anular o ato desde que justificadamente.
De sorte que eu estou também, com esses fundamentos, acompanhando, neste caso, o voto do Ministro Fachin, reconhecendo que já votei num sentido diverso, porque a causa era diversa, no processo a que se referiu o eminente advogado da União.
Eu acompanho integralmente o voto do Relator com esses fundamentos.

O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO – Presidente, uma feliz coincidência: o parecer a favor do provimento do recurso é da lavra do ilustre e proficiente Subprocurador-Geral da República doutor Paulo
Gustavo Gonet Branco, que nos assiste. A decadência nada mais é do que algo que visa a segurança jurídica, bem como a prescrição. E a Lei nº 9.784/1999 não distingue relativamente ao móvel de ato da Administração Pública que implique anulação. E onde a lei não distingue não cabe ao intérprete fazê-lo. As exceções estão contempladas também na lei, no caso, a má-fé do beneficiário do ato – e não se pode, na situação, vislumbrar, má-fé – ou a impugnação anterior a esse ato.
Indaga-se: é possível enquadrar parecer, levantando dúvidas quanto a uma série de anistias, como impugnação? A resposta surge negativa, não se podendo chegar a tanto.
Há um detalhe: a dúvida foi levantada em 2006, e somente em 2011 – portanto, mais de quatro anos após – criou-se comissão para analisar cada qual das anistias formalizadas. Em síntese, o pronunciamento da Advocacia Geral da União, de natureza própria aos pareceres, não se mostrou uma impugnação concreta à anistia que beneficiou o recorrente.
Fiquei vencido na questão dos cartórios, quando o Tribunal, a meu ver, colocou em segundo plano o artigo 54 da Lei nº 9.784/1999, considerados atos de tribunais de justiça do país implementados há mais de dez anos, e entendeu possível a declaração de insubsistência pelo todo-poderoso Conselho Nacional de Justiça, que apenas atua no campo administrativo, mesmo passados mais de dez anos.
Pretende-se, neste caso, a mitigação, o esvaziamento da regra decadencial prevista no artigo 54 da Lei nº 9.784/1999, como se fôssemos aqui legisladores e pudéssemos dar à Administração Pública uma segunda oportunidade para rever os próprios atos.

Acompanho o Relator, ante o substancioso voto confeccionado e enalteço a manifestação do fiscal da lei, do Ministério Público Federal, na pena abalizada do Subprocurador Dr. Paulo Gustavo Gonet Branco.

VOTO
O SENHOR MINISTRO LUÍS ROBERTO BARROSO
(PRESIDENTE) – Também eu estou acompanhando o Relator sob a premissa de que a portaria do Ministro da Justiça foi expedida nove anos depois do deferimento da anistia e seis anos depois do primeiro pagamento. Não estão presentes as exceções ao art. 54 da Lei 9.784, porque não houve má-fé e tampouco houve impugnação válida, como observou o Doutor Paulo Gustavo Gonet Branco quando disse: “A nota é opinativa, desprovida da virtude de deflagrar, por si, procedimento de desfazimento do ato concreto que havia beneficiado o atual recorrente”.
Louvo o parecer e o voto do eminente Relator e também eu estou acompanhando a unanimidade que se formou, para dar provimento ao recurso.

PRIMEIRA TURMA
EXTRATO DE ATA
RECURSO ORD. EM MANDADO DE SEGURANÇA 31.841
PROCED. : DISTRITO FEDERAL
RELATOR : MIN. EDSON FACHIN
RECTE.(S) : CARLOS DOS SANTOS DE OLIVEIRA
ADV.(A/S) : MARCELO PIRES TORREÃO (DF019848/) E OUTRO(A/S)
RECDO.(A/S) : UNIÃO
ADV.(A/S) : ADVOGADO-GERAL DA UNIÃO
Decisão: A Turma deu provimento ao recurso ordinário, nos termos do voto do Relator. Unânime. Falaram: o Dr. Daniel Fernandes Machado, pelo Recorrente, e o Dr. Raphael Ramos Monteiro de Souza, Advogado da União, pela Recorrida. Presidência do Senhor Ministro Luís Roberto Barroso. 1ª Turma, 2.8.2016.
Presidência do Senhor Ministro Luís Roberto Barroso. Presentes à Sessão os Senhores Ministros Marco Aurélio, Luiz Fux, Rosa Weber e Edson Fachin.
Subprocurador-Geral da República, Dr. Paulo Gustavo Gonet Branco.

 

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