Após vitória do escritório TMLD Advocacia no processo principal de retroativos aos anistiados políticos (RE 553.710), inclusive quanto à incidência de juros e correção monetária, a jurisprudência do STF começa a ser aplicada para os demais anistiados políticos.
Uma dessas vitórias está na decisão abaixo, proferida pelo Ministro Celso de Mello:
RECURSO ORD. EM MANDADO DE SEGURANÇA 27.684 DISTRITO
FEDERAL
RELATOR : MIN. CELSO DE MELLO
ADV.(A/S) :DANIEL FERNANDES MACHADO E OUTRO(A/S)
RECDO.(A/S) :UNIÃO
ADV.(A/S) :ADVOGADO-GERAL DA UNIÃO
DECISÃO: Trata-se de recurso ordinário em mandado de segurança
interposto contra decisão que, proferida pelo E. Superior Tribunal de
Justiça, restou consubstanciada em acórdão assim ementado (fls. 123/124):
“ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL.
MANDADO DE SEGURANÇA. ANISTIA POLÍTICA.
PAGAMENTO DE VERBAS PRETÉRITAS. LEGITIMIDADE
DO MINISTRO DE ESTADO DO PLANEJAMENTO,
ORÇAMENTO E GESTÃO. DECADÊNCIA NÃO
CONFIGURADA. INEXISTÊNCIA DE DISPONIBILIDADE
ORÇAMENTÁRIA. ORDEM DENEGADA.
1. O presente mandado de segurança é dirigido contra ato
imputado ao Ministro de Estado do Planejamento, Orçamento
e Gestão, a quem compete o pagamento das reparações econômicas
decorrentes da declaração da condição de anistiado político do
impetrante, no prazo de 60 dias após receber a comunicação do
Ministro da Justiça, consoante previsão do art. 18 da Lei 10.559/2002.
2. A jurisprudência desta Corte, construída em
julgamentos de casos análogos, firmou-se no sentido de que o ato
contra o qual se volta a impetração refere-se à inércia da autoridade
coatora em adotar as providências necessárias ao cumprimento
integral da Portaria do Ministro da Justiça que determina o
pagamento da parcela indenizatória, referente aos efeitos retroativos
do reconhecimento da condição de anistiados políticos, tratando-se,
portanto, de ato omissivo continuado contra o qual não corre prazo
decadencial 3. Recente precedente da 1ª Seção assentou, por
unanimidade, que, ‘(…) Ainda que pertinente a via mandamental, não
tem o impetrante direito de receber de imediato as parcelas em atraso
referentes à indenização pela anistia, por falta de disponibilidade
orçamentária’, e que, ‘(…) Embora exista previsão orçamentária, os
créditos para atender à rubrica são menores do que a soma das
obrigações a serem cumpridas’ (MS 12.115/DF, Min. Eliana Calmon,
DJ de 12.02.07).
4. Também a Corte Especial, em casa análogo, decidiu que
‘o pagamento das indenizações conferidas aos anistiados políticos,
segundo disposto no § 4º do art. 12 da Lei 10.559/2002, depende de
prévia dotação orçamentária, não se apresentando contraditório ou
omisso o acórdão que, baseado na ausência de disponibilidade
orçamentária, conforme informações do Poder Executivo, nega
provimento a regimental tirado de indeferimento de mandado de
segurança onde buscadas novas providências da autoridade judiciária
visando a pronta quitação da reparação’ (EDecl. no AgRg no
MS 11.586, Min. Fernando Gonçalves, DJ de 05.02.07).
5. No caso concreto, a autoridade impetrada informou que os
recursos orçamentários disponíveis para o exercício de 2006 são
destinados ao pagamento das prestações mensais devidas, sendo
insuficientes para suportar as despesas retroativas. Assim,
considerando que o pagamento dessas despesas está condicionado à
existência de disponibilidade orçamentária (Lei 10.559/2002, art. 12,
§ 4º), não se pode considerar que a autoridade impetrada, ao não
efetuar o seu imediato pagamento, esteja praticando ato ou omissão
ilegítima ou violando direito líquido e certo. Precedente da 1ª Seção:
MS 12.166/DF, Min. Teori Albino Zavascki, DJ de 26.0.2007.
6. Ordem denegada.”
(MS 12.444/DF, Rel. Min. TEORI ALBINO ZAVASCKI –
grifei)
Busca-se, em síntese, na presente sede recursal, a reforma parcial do
acórdão ora impugnado, para “(…) garantir ao Impetrante imediato direito ao
recebimento dos benefícios retroativos que se encontram previstos na respectiva
portaria de anistia, acrescidos de correção monetária e de juros” (fls. 141).
A União Federal, em contrarrazões, impugnou o pleito formulado
nesta sede processual (fls. 162/176).
Sendo esse o contexto, passo a examinar a pretensão recursal ora em
julgamento. E, ao fazê-lo, entendo assistir razão à parte recorrente.
É bem verdade que este Supremo Tribunal Federal possui antiga
orientação jurisprudencial segundo a qual a decisão concessiva da ordem
mandamental não produz efeitos em relação a período anterior à
propositura da ação de mandado de segurança, pois tal situação
redundaria em inadmissível manejo do “writ” constitucional como
sucedâneo de ação de cobrança (Súmulas nºs 269 e 271).
Esta Suprema Corte, no entanto, tem assinalado que tais enunciados
sumulares não se aplicam a casos – como o dos presentes autos – em que se
discute a percepção de parcelas retroativas decorrentes do
reconhecimento, pela Administração Pública, da condição de anistiado
político ostentada pela parte (RMS 26.881/DF, Rel. Min. AYRES BRITTO –
RMS 26.947/DF, Rel. Min. CÁRMEN LÚCIA, v.g.):
“CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. MILITAR:
ANISTIA. MANDADO DE SEGURANÇA.
I. – A hipótese não consubstancia ação de cobrança, mas
tem por finalidade sanar omissão da autoridade coatora, que não
deu cumprimento integral às Portarias do Ministro de Estado da
Justiça. Cabimento do mandado de segurança. Liquidez e
certeza do direito dos impetrantes, que se apoiam em fatos
incontroversos.
II. – Recurso provido.”
(RMS 24.953/DF, Rel. Min. CARLOS VELLOSO – grifei)
Cumpre destacar, ainda, por oportuno, que o Plenário do Supremo
Tribunal Federal, após reconhecer a existência de repercussão geral da
mesma questão versada na presente causa, julgou o RE 553.710/DF,
Rel. Min. DIAS TOFFOLI, formulando tese assim enunciada:
“i) Reconhecido o direito à anistia política, a falta de
cumprimento de requisição ou determinação de providências por parte
da União, por intermédio do órgão competente, no prazo previsto nos
arts. 12, § 4º, e 18, ‘caput’ e parágrafo único, da Lei nº 10.599/02,
caracteriza ilegalidade e violação de direito líquido e certo.
ii) Havendo rubricas no orçamento destinadas ao
pagamento das indenizações devidas aos anistiados políticos e
não demonstrada a ausência de disponibilidade de caixa, a União há de
promover o pagamento do valor ao anistiado no prazo de 60 dias.
iii) Na ausência ou na insuficiência de disponibilidade
orçamentária no exercício em curso, cumpre à União promover sua
previsão no projeto de lei orçamentária imediatamente seguinte.”
(grifei)
É importante ressaltar que, no julgamento do RE 553.710/DF, por
unanimidade de votos, negou-se provimento ao apelo extremo deduzido pela
União Federal, com a consequente manutenção do acórdão emanado do
Superior Tribunal de Justiça, que havia determinado o pagamento, ao
anistiado político, dos valores retroativos acrescidos de juros e correção
monetária.
Esse entendimento – vale enfatizar – reflete-se, por igual, em diversas
decisões proferidas por eminentes Juízes desta Corte (RMS 27.063/DF,
Rel. Min. RICARDO LEWANDOWSKI – RMS 28.181/DF, Rel. Min.
EDSON FACHIN – RMS 35.592/DF, Rel. Min. DIAS TOFFOLI, v.g.).
Nesse contexto, mostra-se imperioso ressaltar que o art. 322 do
CPC, ao preceituar que os juros legais e a correção monetária
compreendem-se no pedido principal, evidenciou o caráter implícito e
acessório desses valores, verdadeiros consectários legais do adimplemento
extemporâneo de uma obrigação.
Por conseguinte, o reconhecimento, levado a efeito pelo E. Superior
Tribunal de Justiça, do estado de mora no tocante ao cumprimento
integral dos termos da Portaria MJ nº 2.187/2005 (fls. 25) tem como
consequência necessária e inevitável o pagamento do numerário
estabelecido no referido ato administrativo, acrescido das consequências
legais decorrentes do adimplemento tardio da obrigação estatal, sob pena de
inaceitável enriquecimento ilícito da União Federal.
Vale referir, por relevante, no sentido ora exposto e ante a
inquestionável procedência de suas observações, o seguinte fragmento do
voto proferido, em caso análogo, pelo eminente Ministro DIAS TOFFOLI
no recentíssimo julgamento, pela colenda Segunda Turma, do RMS 35.401-
-AgR/DF, de que é Relator:
“(…) trata-se, ‘in casu’, de ação mandamental por ato omissivo
por meio da qual se busca o cumprimento integral de obrigação de
fazer contida na Portaria nº 511/04 do Ministro de Estado da Justiça
(fl. 15 do volume eletrônico nº 1), na qual se reconhecera ao ora
agravado a condição de anistiado político e se determinara o
pagamento de reparação econômica em prestação mensal,
permanente e continuada, com efeitos financeiros retroativos
(Lei nº 10.559/02), e não mera ação de cobrança de valores
atrasados em face da Fazenda Pública.
Confira-se, no mesmo sentido:
‘RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE
SEGURANÇA. PORTARIA QUE DECLAROU O
RECORRENTE ANISTIADO POLÍTICO E
DETERMINOU O PAGAMENTO DE INDENIZAÇÃO.
ALEGAÇÃO DE INDISPONIBILIDADE
ORÇAMENTÁRIA. RECURSO PROVIDO.
1. O não-cumprimento de Portaria do Ministro da
Justiça que reconheceu o Recorrente como anistiado
político, fixando-lhe indenização de valor certo e determinado,
caracteriza-se ato omissivo da Administração Pública.
2. Configurado o direito líquido e certo do
Recorrente, por se tratar de cumprimento de obrigação de
fazer, e não cobrança de valores anteriores à impetração da
presente ação mandamental. Não-incidência das Súmulas 269
e 271 do Supremo Tribunal Federal.
3. Demonstrada a existência de prévia dotação
orçamentária, não há afronta ao princípio da legalidade da
despesa pública.
4. Recurso em Mandado de Segurança provido.’
(RMS nº 27.357/DF, Relator o Ministro Ricardo Lewandowski,
DJe de 6/8/10)
Por conseguinte, deve-se assegurar a reparação econômica
devida ao anistiado político, consoante tese de repercussão
geral fixada pelo Plenário desta Suprema Corte no julgamento
do RE nº 553.710/DF, paradigma do Tema nº 394 da Gestão por
Temas da Repercussão Geral, nos seguintes termos:
‘1) – Reconhecido o direito à anistia política, a falta
de cumprimento de requisição ou determinação de providências
por parte da União, por intermédio do órgão competente, no
prazo previsto nos arts. 12, § 4º, e 18, ‘caput’ e parágrafo
único, da Lei nº 10.599/02, caracteriza ilegalidade e violação de
direito líquido e certo; 2) – Havendo rubricas no orçamento
destinadas ao pagamento das indenizações devidas
aos anistiados políticos, e não demonstrada a ausência de
disponibilidade de caixa, a União há de promover o pagamento
do valor ao anistiado no prazo de 60 dias; 3) – Na ausência ou
na insuficiência de disponibilidade orçamentária no
exercício em curso, cumpre à União promover sua previsão
no projeto de lei orçamentária imediatamente seguinte’
(RE nº 553.710-RG/DF, Tribunal Pleno, de minha relatoria,
DJe de 30/8/17 – …).
Reitere-se que a mora da Administração quanto ao
pagamento dos efeitos financeiros retroativos está configurada a
partir do 61º (sexagésimo primeiro) dia após a publicação da portaria
concessiva de anistia (Portaria MJ nº 511, de 6/2/04, publicada no
DOU de 10/2/04), nos termos do art. 12, § 4º, da Lei nº 10.559/02, o
qual dispõe o seguinte:
‘§ 4º As requisições e decisões proferidas pelo
Ministro de Estado da Justiça nos processos de anistia
política serão obrigatoriamente cumpridas no prazo de sessenta
dias, por todos os órgãos da Administração Pública e quaisquer
outras entidades a que estejam dirigidas, ressalvada a
disponibilidade orçamentária.’
Assim, conforme consignado no ‘decisum’ agravado, o
acórdão recorrido merece ser parcialmente reformado,
na medida em que, de um lado, reconhece a violação a direito
líquido e certo do impetrante e a mora continuada da
Administração Pública em ‘manifesta desobediência à lei que
fixou prazo certo para tanto (art. 12, § 4º, da Lei 10.559⁄2002)’,
mas, de outro lado, remete às vias ordinárias a cobrança de
juros e correção monetária.
Cumpre ressaltar que os juros de mora e a correção monetária
são consectários legais da condenação, consequências
automáticas da decisão condenatória, decorrentes da aplicação da lei.
Desse modo, os valores retroativos previstos na portaria
de anistia devem ser acompanhados dos consectários legais.
Mantenho, portanto, a conclusão adotada no ‘decisum’
monocrático pelo provimento do recurso ordinário, para
reformar parcialmente o acórdão recorrido, a fim de que se
determine à autoridade impetrada o integral cumprimento da
Portaria nº 511/04 do Ministro da Justiça, na qual se reconheceu
ao ora agravado a condição de anistiado político, assegurando-se-lhe
o pagamento da reparação econômica devida com efeitos
financeiros retroativos, acrescida de juros moratórios e
correção monetária.
Ante o exposto, nego provimento ao agravo regimental.”
(grifei)
Sendo assim, e tendo em consideração as razões expostas, dou
provimento ao presente recurso ordinário, para o fim específico de
determinar à União Federal o pagamento integral dos efeitos
financeiros retroativos estipulados na Portaria MJ nº 2.187, de 29 de
novembro de 2005 (fls. 25), acrescidos de juros moratórios e de correção
monetária.
Publique-se.
Brasília, 06 de agosto de 2018.
Ministro CELSO DE MELLO
Relator