Cidadania caribenha vira opção para brasileiro que quer viver nos EUA

João Fellet
Da BBC Brasil em Washington

Agências na Flórida estão orientando brasileiros que queiram morar nos Estados Unidos a tirar passaporte de países caribenhos mesmo sem nunca ter pisado neles – a estratégia é aproveitar um acordo que facilita a residência de cidadãos desses lugares em território americano.

As alternativas ganham visibilidade num momento em que a crise econômica motiva muitos brasileiros a se mudar para os EUA, buscando para isso brechas na complexa legislação migratória americana.

Ao mesmo tempo, brasileiros descendentes de europeus que desejam migrar aos EUA também têm sido orientados a buscar uma segunda cidadania – nesse caso, devem comprovar laços com o país dos antepassados.

Para atrair recursos, várias ilhas no Caribe – como Dominica, Granada e Santa Lúcia – oferecem cidadania a estrangeiros que façam investimentos no país, como a compra de um imóvel. O investimento mínimo gira em torno de US$ 200 mil (R$ 700 mil) e garante o passaporte local em cerca de quatro meses.

Com o documento, é possível pedir nos EUA um visto E-2, processado em outros quatro meses e que dá ao portador direito de residir no país com cônjuge e filhos. Não é preciso abrir mão da cidadania brasileira para obter os documentos.

Presidente da Oxford, uma das empresas na Flórida que promovem a alternativa, Carlo Barbieri diz que é possível obter a cidadania de alguns países caribenhos sem jamais visitá-los: o investimento é feito à distância, e o passaporte chega por correio.

Para tirar o E-2, porém, é necessário investir também nos EUA. Advogados recomendam um gasto mínimo de US$ 100 mil para reduzir o risco de rejeição do pedido.

Só podem solicitá-lo cidadãos de países que tenham um acordo específico com os EUA sobre esse visto – caso de várias nações caribenhas, europeias, africanas, asiáticas e latino-americanas, mas não do Brasil.

Barbieri diz que o processo cumpre as leis migratórias americanas e se enquadra na política local de atração de investimentos estrangeiros.

A grande vantagem do visto é poder residir nos EUA sem pagar imposto sobre a renda obtida fora do país, o que não ocorre com estrangeiros que se tornem cidadãos americanos ou recebam o “green card” (direito de residência), explica.

Segundo ele, os clientes que optam pelo visto têm a maioria de seus bens e negócios no Brasil e buscam protegê-los do Fisco americano, decisão que considera “legítima”.

“A corrupção no Brasil faz com que muitos ocultem ganhos ilícitos, mas em países sérios o cidadão tem o direito de preparar sua sucessão e montar suas operações da maneira que melhor atenda seus interesses, tudo dentro da lei”, afirma.

Barbieri diz cuidar hoje de quatro processos de brasileiros que buscam cidadania no Caribe. Ele afirma que os clientes preferem se manter no anonimato para não atrair a atenção de autoridades brasileiras, por causa do estigma que associa o Caribe a manobras – ainda que legais – para pagar menos impostos.

Outro visto popular nos EUA entre estrangeiros ricos, o EB-5 exige gasto mínimo de US$ 500 mil no país e pode ser pleiteado por brasileiros sem dupla cidadania. O valor é geralmente investido em negócios de terceiros, o que limita a possibilidade de resgate.

Já o investimento nos EUA associado ao E-2 é feito em negócio próprio, e há a possibilidade de recuperar o investimento no Caribe após cinco anos – vendendo o imóvel, por exemplo.

O visto, porém, tem limitações: ele não concede ao portador direitos usufruídos pelos cidadãos americanos, como a opção de votar, e sua renovação depende da manutenção do investimento nos EUA. Caso o portador cometa alguma infração, corre o risco de ter o visto anulado e ser deportado.

Brasileiros com cidadania europeia

Advogados de migração dizem que a procura pelo E-2 tem crescido especialmente entre brasileiros com cidadania europeia.

Funcionária da Rotunno Cidadania, empresa que auxilia na obtenção de passaportes estrangeiros no Brasil, a advogada Gabriela Rotunno diz que mais da metade dos clientes que têm buscado documentos europeus desejam migrar para os Estados Unidos.

Rotunno afirma que, desde junho de 2015, cerca de cem clientes a contrataram com esse objetivo, alta de 40% em relação ao ano anterior. Ela diz que seu principal público são descendentes de italianos em São Paulo.

Além da Itália, a lista de países europeus com acordo sobre o E-2 com os EUA inclui França, Alemanha, Holanda, Espanha, Suíça e Grã-Bretanha. O acordo não se aplica a Portugal.

“Às vezes os clientes têm pouca informação sobre um avô ou bisavô italiano, mas é o suficiente para que a gente corra atrás das certidões lá na Itália e dê entrada no pedido”, diz a advogada.

A empresa cobra cerca de R$ 25 mil pelo serviço. Quando o documento fica pronto, um escritório parceiro em Miami solicita o visto E-2.

Responsável pelo escritório americano, o advogado brasileiro Alexandre Piquet diz que não há base jurídica para que os EUA neguem um visto a um brasileiro que acabou de tirar um passaporte de outro país. Na América do Sul, qualificam-se para o visto E-2 e podem renová-lo indefinidamente cidadãos da Argentina, Chile, Colômbia e Paraguai.

Sem ‘metralhadora de perguntas’
Há três anos e meio, o empresário paulistano Lorenzo Moura, 38 anos, se valeu de sua cidadania espanhola para migrar aos EUA após um episódio de violência sofrido por uma pessoa próxima.

Moura diz que, mesmo podendo residir na Europa – o que já fez ao estudar na Inglaterra -, optou pela Flórida pela facilidade de abrir negócios e viajar ao Brasil.

Hoje ele tem um restaurante em Miami e uma empresa de exportação e importação.

Moura afirma que o E-2 se mostrou a “opção mais desenrolada e prática” para que se mudasse aos EUA com a esposa e o filho recém-nascido, mas que o visto tem desvantagens. Por não ser cidadão americano nem ter o “green card”, diz não conseguir empréstimos para comprar imóveis ou investir em seus negócios.

Ainda assim, cita os benefícios de ingressar nos EUA como um cidadão europeu.

“Quando você chega na imigração com o passaporte espanhol, eles não têm aquela metralhadora de perguntas que usam contra os brasileiros, não querem saber qual seu sangue, seu tipo de urina”, diz.

“Às vezes nem perguntam nada e te deixam passar. Isso é ótimo”, acrescenta.

“Se ninguém me expulsar, pretendo ficar para sempre.”

 

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