A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça – STJ não autorizou a penhora de bem de família em ação de reembolso de valores gastos na quitação de IPTU atrasado. O devedor havia celebrado acordo de permuta de imóveis, transferindo um lote em troca de uma casa. Cada um ficara responsável por quitar tributos incidentes sobre o que estava entregando, pois o contrato não incluía pendências fiscais.
A dívida de IPTU foi quitada pela parte que recebeu o lote e, posteriormente, foi ajuizada a ação de cobrança. Em primeira e segunda instâncias, a penhora do imóvel foi considerada legítima. O colegiado do STJ, contudo, acompanhou voto do relator, o ministro Marco Aurélio Bellizze, entendendo que a dívida não se coaduna aos critérios para penhorabilidade de bem de família previstos na Lei 8.009/1990.
A ação cobrava reembolso de valores pagos em decorrência de descumprimento das cláusulas de um contrato. Não se trata, desta forma, de cobrança de tributo devido em função do imóvel – hipótese que afastaria a impenhorabilidade do bem familiar, de acordo com o artigo 3º, inciso IV, da referida lei.
Penhora seria legítima se o município cobrasse a dívida
O desembargador Newton Teixeira Carvalho, membro do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM, elogia a decisão. Ele explica que o descumprimento contratual, mesmo relativo ao IPTU, não autoriza a penhora do bem de família.
“Não se trata de execução de dívida tributária do próprio imóvel. Na verdade, a exceção prevista pela Lei de Impenhorabilidade é para os tributos do próprio bem, e a ação deve ser proposta pelo próprio município, por se tratar de dívida de IPTU, não por terceiros, como aconteceu no caso em análise”, atenta.
“A penhora do imóvel seria legítima se o próprio município estivesse cobrando o IPTU. As excepcionalidades estão previstas na própria Lei e devem ser interpretadas restritivamente, sempre em prol do devedor que possuir um único imóvel e este bem for residência dele”, acrescenta Newton.
Dignidade da pessoa humana
O magistrado lembra dos princípios resguardados pela Lei 8.009/1990. “O bem de família foi protegido em reforço ao princípio da dignidade da pessoa humana, bem como da própria família. Não é mais correto entender, como acontecia antes, que, para honrar uma dívida, a família deve ser colocada para fora do lar e viver nas ruas.”
“Em um país pobre, em que as pessoas sequer ganham o suficiente para se manter, se alguém tem que ficar no prejuízo, em situações como estas, é o próprio credor”, defende Newton.
“A expressão antiga, de ‘o devedor honrar o fio do bigode’, era a coisa mais ridícula que existia. Devo, sim, arcar com as minhas dívidas, porém, se contratempos aconteceram, não devo prejudicar a morada minha e de meus filhos. Isso era insensatez. A lei de impenhorabilidade acaba tomando a fúria dos credores, de um capitalismo desenfreado.”
Coronavírus: impactos nos casos de penhora
Segundo Newton, no atual contexto de pandemia do coronavírus, o Poder Judiciário deverá apresentar cautela redobrada nas penhoras e sucessivas ordens de despejo. Em análise na Câmara dos Deputados, o Projeto de Lei 692/2020, do deputado João Daniel (PT-SE), suspende por tempo indeterminado o cumprimento de mandados de reintegração de posse, despejos e remoções judiciais ou extrajudiciais.
No Paraná, o juiz Fernando Andreoni Vasconcellos, da 14ª Vara Cível de Curitiba, suspendeu o despejo de uma família, na semana passada. A decisão se baseou no Decreto Judiciário 172/2020 do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, que dispõe sobre a prevenção à pandemia da Covid-19, visando garantir a moradia em um momento de exceção. A parte autora pedia a desocupação do imóvel alugado em decorrência da inadimplência dos demandados.
“Estamos diante de uma excepcionalidade que deve ser considerada pelo Judiciário. Os rigores dos contratos devem ser suavizados neste momento de crise”, defende Newton. “Antes de tudo, em época de coronavírus, deve prevalecer o bom senso, ou seja, uma moratória geral, a partir dos próprios credores.”
“Não há como exigir aluguel do bar que se encontra fechado. Não há como o banco exigir o pagamento das prestações, enquanto o devedor autônomo não estiver trabalhando. Inexistindo bom senso, quando estas ações chegarem no Judiciário, que nas audiências conciliatórias o assunto seja resolvido, sempre em prol do devedor como, por exemplo, um parcelamento mais elástico da dívida”, propõe o magistrado. Fonte: Assessoria de Comunicação do IBDFAM (com informações do STJ)