Por Daniel Corrêa Szelbracikowski e Márcio Maron
Recentemente, o governo do Distrito Federal pegou de surpresa o setor imobiliário ao publicar norma com impactos nefastos sobre aqueles que pretendem fazer qualquer operação com imóveis, afetando os corretores, incorporadores, cartorários, além das imobiliárias, construtoras e instituições financeiras.
Trata-se da Instrução Normativa 3/2016, segundo a qual “a lavratura, inscrição ou transcrição de atos relativos a imóveis, que implique a transmissão de propriedade ou de direitos a eles relativos, somente poderá ocorrer mediante a apresentação da certidão negativa de débitos tributários, expedida pela Secretaria de Estado de Fazenda do Distrito Federal, relativos ao imóvel, até a data da operação”.
Referida norma impede o registro de todos os atos relativos a imóvel que possua débitos abertos de IPTU, ITBI, ITCMD, taxas ou contribuições de melhoria sem a prévia quitação desses tributos.
Mesmo na hipótese de o tributo ser indevido (por problemas relacionados à base de cálculo, prescrição, decadência etc.) o contribuinte será forçado a recolher o respectivo valor aos cofres públicos, sob pena de não conseguir registrar o negócio realizado.
Além disso, o cartório estará sujeito à responsabilização solidária dos tributos devidos se eventualmente lavrar, inscrever ou transcrever atos relativos ao imóvel sem a apresentação de certidão.
A instrução normativa originalmente exigia certidão negativa de débitos, mas foi alterada para admitir também a certidão positiva com efeitos de negativa, atendendo aos protestos do setor imobiliário, que via na medida uma forma de cobrar tributos ainda não vencidos. Essa mudança, entretanto, não foi suficiente para afastar os embaraços provocados pela nova disposição, pois a quitação de débitos vencidos continua sendo exigida como condição para a realização dos atos.
Como é normal que compradores solicitem a certidão negativa de débitos tributários, à primeira vista, a nova norma não teria trazido mudanças significativas para o mercado.
Entretanto, não só as transferências serão afetadas, mas todos os atos que dependem de registro, como as hipotecas, locações de prédios, penhoras, emissão de cédulas de crédito imobiliárias, incorporações, instituições de condomínios, os loteamentos, entre outros, constituindo mais um entrave aos investimentos no setor.
Tudo isso em um momento econômico tão desfavorável à atividade imobiliária.
A perversidade da medida vai além da mera inconveniência burocrática e toca diretamente a vida de todos os que dependem do registro imobiliário, em especial dos que se encontram em situação financeira mais difícil.
Tome-se, como exemplo, um contribuinte que não tem mais condições financeiras de arcar com os custos de sua residência. Atrasa, em razão disso, não só o pagamento de tributos, mas o colégio de seus filhos, o plano de saúde, as contas de água e luz. Toma a decisão honesta, razoável e lógica de vender seu imóvel para quitar as dívidas. Depara-se, então, com a medida ora comentada e pergunta-se de onde tirar o dinheiro para primeiro pagar os tributos devidos e somente depois negociar a venda do imóvel. Vê-se, assim, na contingência de encontrar um comprador que lhe adiante o valor dos tributos, certamente provocando a desvalorização do bem.
Além de imoral, a norma se mostra inconstitucional. Configura sanção política destinada ao adimplemento tributário por meios transversos dos que estão à disposição da administração pública para a cobrança de seus créditos tributários.
No final de 2015 o Supremo Tribunal Federal afirmou, sob a sistemática de repercussão geral, que “é inconstitucional restrição imposta pelo Estado ao livre exercício de atividade econômica ou profissional, quando aquelas forem utilizadas como meio de cobrança indireta de tributos” (ARE 914.045-RG/MG). Reafirmou, com isso, sua jurisprudência pacífica sobre o tema, retratada nas Súmulas 70, 323 e 547.
Havendo o Supremo decidido a questão, não há óbice para que as partes afetadas busquem a tutela de seu direito no judiciário, propondo medida que afaste a obrigatoriedade da apresentação de certidão para o registro de operações imobiliárias.