Vitória no STJ permite cumular danos morais com indenização de anistia

Calculo de danos morais

O Escritório Torreão, Machado e Linhares Dias Advocacia alcançou vitória no Superior Tribunal de Justiça que garante o direito à reparação de danos morais mesmo quando a pessoa já recebe indenização de anistia política. Prevaleceu a tese de que a indenização de anistia possui natureza de reparação dos danos materiais, portanto compatível com a reparação civil de danos morais.

Abaixo o inteiro teor da decisão

RECURSO ESPECIAL Nº 1.668.553 – DF (2017/0094630-9)
RELATORA : MINISTRA ASSUSETE MAGALHÃES
ADVOGADOS : DANIEL FERNANDES MACHADO – DF016252
GUSTAVO HENRIQUE LINHARES DIAS – DF018257
MARCELO PIRES TORREÃO – DF019848
SERGIO DE BRITO YANAGUI – DF035105
ISABEL IZAGUIRRE ZAMBOTTI DORIA – DF049682
ANDERSON ROCHA LUNA DA COSTA – DF048548
RECORRIDO : UNIÃO
DECISÃO
Trata-se de Recurso Especial, interposto por (nome omitido), em 28/01/2016, com base na alínea a do permissivo constitucional, contra acórdão do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, assim ementado:
“ADMINISTRATIVO. ANISTIADO POLÍTICO. LEI N. 10.559/2002. PRESTAÇÃO ÚNICA E PRESTAÇÃO MENSAL. IMPOSSIBILIDADE DE CUMULAÇÃO. INOCORRÊNCIA DA PRESCRIÇÃO QUINQUENAL.
1. A concessão da anistia prevista no art. 8° do ADCT, regulamentado pela Lei n. 10.559/2002, pressupõe a comprovação de dois requisitos: a) ter sido o interessado atingido por ato de exceção, b) em decorrência de motivação exclusivamente política.
2. A Lei 10.559/2002 prevê indenização aos anistiados políticos em prestação única (art. 4°), para os que não possam comprovar vínculo laboral, ou em prestação mensal, permanente e continuada (art. 5°), para os demais. A prestação única e a prestação continuada são inacumuláveis, sendo uma excludente da outra, por isso não podem ser pagas concomitantemente para o mesmo anistiado.
3. A Comissão de Anistia reconheceu a condição de anistiado do apelante, concedendo-lhe prestação única, a título de indenização, de 360 salários mínimos, em decorrência das perseguições políticas que teria sofrido entre 1966 e 1977. Nessa situação, não tem o apelante, pois, direito à pretendida prestação mensal.
4. Incabível, na espécie, indenização por danos morais, pois a jurisprudência já firmou o entendimento, em casos tais, de que a reparação econômica prevista na Lei n. 10.559, de 2002, tem dúplice caráter indenizatório, abrangendo os danos materiais e morais sofridos pelos anistiados.
5. A pretensão do apelante não se encontra fulminada pela prescrição quinquenal, tendo em vista que o prazo se inicia com a decisão que reconheceu sua condição de anistiado, em 2006, tendo sido a ação ajuizada em 2008.
6. Apelação a que se nega provimento” (fl. 400e)

Opostos Embargos de Declaração, foram rejeitados, nos seguintes termos:
“PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. AUSÊNCIA DE PRESSUPOSTOS. IMPOSSIBILIDADE DE REJULGAMENTO DA CAUSA E INVIABILIDADE DOS EMBARGOS PARA FINS DE PREQUESTIONAMENTO. EMBARGOS REJEITADOS.
1. É imprescindível, para a oposição de embargos de declaração, que a parte demonstre a existência, na decisão embargada, de um dos pressupostos de seu cabimento, a saber, omissão, obscuridade ou contradição, nos termos do art. 535, incisos I e II, do CPC.
2. Mesmo na hipótese de embargos declaratórios para fins de prequestionamento da questão legal ou constitucional, é pacífico o entendimento de que é incabível a interposição de tais embargos de declaração se não estiverem presentes os pressupostos específicos dessa modalidade de integração do julgado, conforme precedentes deste Tribunal declinados no voto.
3. A controvérsia foi dirimida pelo Tribunal segundo a sua compreensão da matéria, declinando-se suficientemente no acórdão embargado os respectivos fundamentos. O inconformismo da parte deve ser manifestado pela via recursal adequada, não se admitindo os embargos de declaração como instrumento processual para rejulgamento da causa.
4. Embargos de declaração rejeitados” (fl. 412e).
Alega-se, nas razões do Recurso Especial, ofensa aos artigos 4º, 5º, da Lei 10.559/2002, 43, 186 e 927 do Código Civil, sob os seguintes fundamentos: a) “comprovado que o Autor/Recorrente foi compelido ao afastamento de sua atividade remunerada por motivação política, fica evidenciado o direito do anistiado à percepção da prestação mensal, permanente e continuada” (fl. 425e); b) “o Autor/Recorrente tem direito à prestação mensal, permanente, continuada e o cálculo do valor dessa mensalidade deve respeitar os documentos que comprovam qual seria a remuneração recebida pelo anistiado se na ativa estivesse” (fl. 427e); c) o dever de reparação dos danos morais é inequívoco, sendo certo que a concessão da indenização ora pleiteada não ensejará duplicidade de pagamento em relação à reparação econômica devida em prestação mensal.
Requer, ao final, o conhecimento e provimento do Recurso Especial para reformar o acórdão recorrido.
Em sede de contrarrazões, a parte recorrida afirma ser incabível o pagamento de indenização por danos morais.

O Recurso Especial foi admitido pelo Tribunal de origem (fls. 481/483e).
Com razão, em parte, o recorrente.
Na origem, trata-se de Ação ajuizada pela parte ora recorrente, com o objetivo de obter o pagamento dos valores correspondentes à prestação mensal, permanente e continuada decorrente da anistia, bem como a reparação pelos danos morais sofridos.
Julgada improcedente a demanda, recorreu o autor, restando mantida a sentença pelo Tribunal local.
Daí a interposição do presente Recurso Especial.
Inicialmente, no que tange à pretensão de que lhe seja conferido o pagamento de prestação mensal, permanente e continuada, manifestou-se o Tribunal de origem:
“De acordo com referido dispositivo citado, são duas as formas possíveis de indenização para anistiados políticos: a) em prestação única, ou b) em prestação mensal, permanente e continuada (art. 1°, item II), fazendo surgir duas situações possíveis. Na primeira, há reintegração do anistiado ao serviço público, com direito aos consectários decorrentes e, na
segunda, não sendo possível a readmissão do anistiado, terá direito a uma reparação econômica, que pode ser em prestação única (art. 4°) ou em prestação mensal (art. 5°).
A Lei n. 10.559 prevê o pagamento de parcela única ou de prestação mensal, ou seja, uma é excludente da outra, não podendo ser pagas concomitantemente a um mesmo anistiado.
(…)
A Comissão de Anistia reconheceu a condição de anistiado do apelante, concedendo-lhe prestação única, a título de indenização, de 360 salários mínimos, em decorrência das perseguições políticas que teria sofrido entre 1966 e 1977. Nessa situação, não tem o apelante, pois, direito à pretendida prestação mensal. Acrescente-se, ainda, que no presente caso consta dos autos a informação de que, na verdade, o apelante requereu sua exoneração do Ministério da Educação, conforme Ofício de fls. 98-100, por isso que atuou corretamente a Comissão de Anistia ao conceder-lhe tão somente a prestação fixa” (fl. 397e).
Do exposto, constata-se que o recorrente não infirmou, de forma específica, os fundamentos suficientes, destacados na transcrição, no sentido de que a Lei 10.559/2002 prevê o pagamento de parcela única ou de prestação mensal, de modo que, tendo o recorrente recebido a indenização em prestação única, não tem direito à requerida prestação mensal. Destarte, incide, na espécie, a Súmula 283/STF (“É inadmissível o recurso extraordinário, quando a decisão recorrida assenta em mais de um fundamento suficiente e o recurso não abrange todos eles”), por analogia.
Além disso, a reversão do referido entendimento adotado pelo Tribunal a quo, no sentido de que o próprio recorrente foi o responsável por requerer sua exoneração do Ministério da Educação, ensejaria o reexame fático-probatório dos autos, procedimento vedado, pela Súmula 7 desta Corte.
Por outro lado, constou do acórdão recorrido ser “incabível, na espécie, os pretendidos danos morais, pois a jurisprudência já firmou o entendimento, em casos tais, de que a reparação econômica prevista na Lei n. 10.559, de 2002, tem dúplice caráter indenizatório, abrangendo os danos materiais e morais sofridos pelos anistiados” (fl. 397e).
Tal entendimento merece reforma. Isso porque esta Corte possui jurisprudência firmada no sentido de que a reparação advinda da Lei 10.559/2002 não se confunde com a reparação pelos danos morais sofridos em decorrência de perseguição na época da ditadura militar.
“ADMINISTRATIVO. AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. ENUNCIADO ADMINISTRATIVO 3/STJ. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. DANOS DECORRENTES DE PERSEGUIÇÃO POLÍTICA NA ÉPOCA DA DITADURA MILITAR. ANISTIA. PEDIDO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. CUMULAÇÃO COM A REPARAÇÃO ECONÔMICA DECORRENTE DA LEI N. 10.559/02. POSSIBILIDADE. PRECEDENTES DO STJ.
1. Esta Corte possui orientação jurisprudencial no sentido de que a reparação econômica realizada pela União decorrente da Lei n. 10.559/02 não se confunde com a reparação por danos morais prevista no art. 5º, V e X, da Constituição Federal. Precedentes do STJ.
2. Agravo interno não provido” (STJ, AgInt no REsp 1.635.780/SC, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, DJe de 22/03/2017).
“PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL. OFENSA À DISPOSITIVO CONSTITUCIONAL. COMPETÊNCIA DO STF. POSSIBILIDADE DE CUMULAÇÃO DE DANOS MORAIS E MATERIAIS. ANISTIADO POLÍTICO.
1. É importante registrar a inviabilidade de o STJ apreciar ofensa aos artigos da Carta Magna, uma vez que compete exclusivamente ao Supremo Tribunal Federal o exame de violação a dispositivo da Constituição da República, nos termos do seu art. 102, III, “a”.
2. O direito à indenização por danos materiais não exclui, obviamente, o direito à reparação por danos morais sofridos pelo anistiado político. Aplica-se, por conseguinte, a orientação consolidada na Súmula 37/STJ: “São cumuláveis as indenizações por dano material e dano moral oriundos do mesmo fato.”
3. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça tem se posicionado no sentido de que o ressarcimento efetivado pela União em virtude da edição da Lei 10.559/2002 possui natureza distinta da reparação moral decorrente do previsto no art. 5º, V e X, da CF/1988.
4. Agravo Regimental não provido” (STJ, AgRg no AREsp 662.667/PR, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, DJe de 05/08/2015).
Destarte, aplica-se, ao caso, entendimento consolidado na Súmula 568/STJ, in verbis: “O relator, monocraticamente e no Superior Tribunal de Justiça, poderá dar ou negar provimento ao recurso quando houver entendimento dominante acerca do tema”. Ante o exposto, com fundamento no art. 255, § 4º, III, do RISTJ, dou parcial provimento ao Recurso Especial a fim de, reconhecendo o direito de cumulação reparação econômica com a indenização por danos morais, determinar o retorno dos autos à origem, para que examine o referido pedido indenizatório.
Brasília (DF), 07 de agosto de 2017.
MINISTRA ASSUSETE MAGALHÃES
Relatora”

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