STF vai discutir anulação de ato administrativo após término do prazo decadencial
O Supremo Tribunal Federal (STF) vai decidir se é facultado à Administração Pública o direito de anular um ato administrativo mesmo depois de decorrido o prazo decadencial previsto na Lei 9.784/1999, caso seja constatada manifesta inconstitucionalidade. A matéria é objeto do Recurso Extraordinário (RE) 817338, que teve repercussão geral reconhecida pelo Plenário Virtual da Corte. No recurso se discute ainda se uma portaria que disciplina o tempo máximo de permanência no serviço militar atende aos requisitos do artigo 8º do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT), que concede anistia aos servidores atingidos por atos de motivação exclusivamente política.
No caso dos autos, um cabo da Aeronáutica, dispensado do serviço na década de 1960, obteve anistia, em 2003, na condição de perseguido político. Em 2011, o ato foi revisto e anulado por falta de pressuposto jurídico. Segundo o Ministério da Justiça, a portaria que ensejou a dispensa do cabo não tinha motivação política, limitando-se a disciplinar o tempo máximo de serviço dos militares por ela atingidos. Em julgamento de mandado de segurança contra a revogação, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) entendeu que, ultrapassado o prazo de cinco anos, fica consumada a decadência administrativa. Segundo o STJ, a portaria interministerial que instaurou procedimento de revisão das anistias não tem o condão de reabrir o prazo decadencial já finalizado.
Em recurso ao STF, a União alega ofensa ao artigo 8º do ADCT, pois a dispensa, que atingiu a outros 2,5 mil cabos, não teria ocorrido por motivação exclusivamente política, como exigido textualmente no artigo 8º do ADCT, para justificar a anistia. Aponta o potencial efeito multiplicador da ação e o fato de que a manutenção de anistia irregular implica desrespeito à Constituição Federal, não sendo possível, por esse motivo, se aplicar a decadência do direito da Administração Pública de anular o ato normativo inconstitucional.
Para o Ministério Público Federal (MPF), que também recorre do acórdão do STJ, a União teria editado a tempo atos que expressam o exercício do poder-dever de anular, de forma que, mesmo que fosse aplicável a Lei 9.784/99, existiria ato de conteúdo específico apto a interromper o prazo prescricional.
Em manifestação pelo reconhecimento da repercussão geral, o relator do recurso, ministro Dias Toffoli, verificou que, dada a vultosa quantia que vem sendo destacada do orçamento da União para a realização dos pagamentos aos anistiados, os temas discutidos nos autos apresentam nítida densidade constitucional, extrapolam os interesses subjetivos das partes e são extremamente relevantes para os cidadãos.
O ministro destacou que há repercussão na esfera econômica se observados os dados levantados pelo MPF no sentido de que as anistias questionadas podem gerar uma folha mensal de despesas que pode superar a casa dos R$ 16 milhões, e os valores retroativos pendentes, por sua vez, podem alcançar a marca de meio bilhão de reais. Ressaltou que há também evidente interesse jurídico na definição das teses suscitadas, em razão do expressivo número de processos em trâmite no STF em que se discute a decadência do direito da Administração Pública de anular atos eivados de absoluta inconstitucionalidade.
“As matérias suscitadas nos recursos extraordinários apresentam nítida densidade constitucional e extrapolam os interesses subjetivos das partes, pois repercutem na sociedade como um todo. Não bastasse isso, diante das questões levantadas pelas partes e descritas nesta manifestação, nota-se que a discussão travada nos autos possui potencial efeito multiplicador e inquestionável relevo econômico, sendo ainda dotada de evidente repercussão jurídica”, concluiu o relator.
A manifestação do relator foi seguida, por maioria, em deliberação no Plenário Virtual do STF.