Garantido direito ao recebimento de aposentadoria cumulada com prestação mensal indenizatória

Vitória em processo judicial patrocinado pelo escritório TMLD Advocacia garante o direito ao recebimento de aposentadoria cumulada com prestação mensal, por serem parcelas de natureza distintas. A prestação mensal de anistia tem natureza indenizatória, enquanto os proventos de aposentadoria têm natureza contributiva. Segue abaixo o inteiro teor da sentença.

“PROCESSO : 0061897-87.2016.4.01.3400
SENTENÇA
1. RELATÓRIO
Trata-se de ação proposta pelo rito ordinário, com pedido de tutela, ajuizada por (omitido) em face de UNIAO FEDERAL, objetivando que se assegure “a continuidade do recebimento da prestação mensal, permanente e continuada, bem como da aposentadoria”, como a condenação da União Federal a pagar “os valores suspensos atrasados, acrescidos de correção monetária e de juros legais.” Narra que foi expulso da FAB durante a ditadura militar, o que levou a ser posteriormente declarado anistiado político, nos termos da Lei nº 10.559/2002.
Esclarece, ainda, que em 1974 foi contratado como agente administrativo do Departamento de aviação Civil e que recebia aposentadoria em razão do exercício do cargo como agente administrativo.
Alega que a acumulação da aposentadoria do cargo de assistente administrativo e as prestações mensais recebidas pelo reconhecimento da condição de anistiado político é lícita, devendo ser revista à determinação da FAB para que escolha uma das prestações. Requer assim o reconhecimento da possibilidade de cumulação entre a aposentadoria do cargo de agente administrativo com pensão mensal de anistiado político.
A Ré contestou às fls. 121/173, em que requereu a improcedência do pedido ao argumento da impossibilidade de cumulação de pensão excepcional de anistiado com aposentadoria.
Decisão às fls. 175-178 deferiu a tutela pleiteada. Foi interposto Agravo de Instrumento em face da decisão, pela União Federal, às fls. 178-193.
Réplica às fls. 195-205.
As partes não postularam a produção de provas adicionais.
Os autos vieram conclusos para sentença.
É o relatório.
Passo a julgar.
2 – FUNDAMENTAÇÃO
Observo que já foi apresentada contestação e que o caso trata predominantemente de matéria de direito. Quanto à matéria fática, os documentos acostados são suficientes para a solução do litígio. Não há necessidade de mais provas. Assim, impõe-se o julgamento antecipado da lide, nos termos do art. 355, I, do Código de Processo Civil de 2015.
O cerne da controvérsia está em que a parte requerente considere um dos seus benefícios como reparação continuada de anistia, a qual tem, na redação do art. 1º, II da Lei nº 10.559/2002, carácter indenizatório. A União Federal, por outro lado, entende que a volta do militar anistiado levou à sua reforma, de maneira que agora haveria, de fato, duas aposentadorias, o que trairia o interdito do art. 7º, §1º da Lei nº 10.559/2002, de derivação constitucional.
Destaca-se, da documentação da parte requerente, a decisão da Comissão da Anistia, em que se reconhece (fls. 36) “o direito à declaração de anistiado político e reparação econômica” (A Portaria nº 2632/2003, do Ministério da Justiça, às fls. 39 dos autos, ratificou tal parecer, fixando, em 2002, o valor de R$2.668,14 mensais), bem como o espelho às fls. 41, em que há menção à Lei nº 10.559, mas segmentação em diferentes rubricas.
A União Federal, ao contrário, argumenta que em 2004 a parte requerente foi reincluída na atividade como militar reformado, não percebendo agora a prestação continuada mas aposentadoria. Verbis: “Por sua vez, no ano de 2004, por meio da Portaria DIRAP nº 3453/3RC, considerando as anistias decididas pelo Ministro de Estado de Justiça, na forma da Lei nº 10.559/2002, foi reincluído na Aeronáutica, na inatividade, na graduação de Segundo-sargento, na situação de reformado, por haver atingido a idade-limite de permanência da reserva-remunerada, de acordo com o art. 104. II e art. 106, I, “d”, observando-se o parágrafo único do art. 107, todos da Lei nº 6.880/1980.”
A corroborar essa informação, a União Federal traz o informe às fls. 132 e seguintes, onde é notada uma “reforma por decisão judicial”. Permissa venia, essa não foi a determinação do Ministro da Justiça – remeto as partes novamente às fls. 39 –, que somente ordenou a contagem de tempo de serviço, com promoções, e concedeu a reparação econômica, com declaração de anistiado político. Não foi determinada a reforma. Portanto, o cumprimento à decisão do Ministério da Justiça, por parte da União Federal, foi defeituoso. E o aposentado desde 92, que logrou tornar-se anistiado em 2004, não pode ser prejudicado pela má caracterização jurídica dos seus benefícios, por parte do Estado.
Cabe análise da natureza jurídica de cada um dos pagamentos, a partir da compreensão de que “a natureza da aposentadoria decorrente da anistia é indenizatória, enquanto a previdenciária é contributiva, em decorrência do tempo de serviço, razão pela qual não se aplica a vedação de cumulação de aposentadorias do art. 124, II da Lei n.º 8.213/91”. (AC 0052323-17.2000.4.01.0000 / BA, Rel. JUIZ FEDERAL JOSÉ ALEXANDRE FRANCO, 2ª TURMA SUPLEMENTAR, e-DJF1 p.309 de 20/09/2012)

De fato, a Lei nº 10.559/2002, que regulamenta o disposto no artigo 8º dos Atos das Disposições Transitórias, instituindo o regime do anistiado político, prevê a concessão de indenização em razão dos atos praticados no período do regime de exceção. A Lei somente veda a  cumulação de pagamentos, benefícios ou indenização que ostentem o mesmo fundamento, preservando os demais direitos expressos em outras normas legais ou constitucionais.
Art. 16. Os direitos expressos nesta Lei não excluem os conferidos por outras normas legais ou constitucionais, vedada a acumulação de quaisquer pagamentos ou benefícios ou indenização com o mesmo fundamento, facultando-se a opção mais favorável. No caso, o benefício percebido pelo autor (aposentadoria) tem fundamento jurídico distinto, integrado ao regime contributivo próprio dos Servidores Públicos e decorre diretamente do tempo de serviço prestado como agente administrativo, entre 74 e 92. O direito ao recebimento da aposentadoria é, portanto, inteiramente independente do reconhecimento da sua condição de anistiado político.
O artigo 16 é claro ao dispor que os direitos expressos na lei de anistia não excluem os conferidos por outras normas legais ou constitucionais, como, por exemplo, aquelas situações jurídicas tuteladas pela Lei 8.112/91. A reparação econômica trazida pela Lei 10.559/2002 se refere a perdas patrimoniais, oriundas da interrupção da atividade laboral do anistiado, e, por este motivo, a vedação contida no artigo 16 não se aplica aos benefícios pagos em decorrência do tempo de contribuição do servidor público para a Previdência Social.
Se ainda estivesse na ativa, o autor faria jus à percepção simultânea do benefício da anistia e da remuneração pelo seu cargo junto ao Departamento de Aviação Civil, eis que ingressou na corporação por seus próprios méritos, prestando concurso público, e não por qualquer benesse do Estado. Por este mesmo motivo, a manutenção da aposentadoria e do benefício deve ser mantida.
Neste sentido, cito precedente jurisprudencial do eg. Tribunal Regional Federal da 4ª Região:
ADMINISTRATIVO. ANISTIADO POLÍTICO. REPARAÇÃO ECONÔMICA DA LEI N° 10.559/02. PRESTAÇÃO ÚNICA. FALTA DE INTERESSE DE AGIR. INOCORRÊNCIA. PRESCRIÇÃO – INOCORRÊNCIA. 1. A controvérsia da presente demanda diz respeito à condenação da ré ao pagamento de reparação, de natureza indenizatória da Lei nº 10.559/2002, em prestação única, 2. Eventual percebimento de remuneração em instituição pública ou privada não tem o condão de afastar a pretensão vertida na inicial, já que o pagamento seria devido em função do trabalho exercido em período durante o qual a parte autora estava afastada, por motivos de perseguição política, de seu mister de professor, e não pela condição de anistiado, em consonância com o disposto no artigo 16 da Lei 10.559/2002. 3. É cediço, a Jurisprudência vem entendendo ser desnecessário o esgotamento da via administrativa para configurar a pretensão resistida. Preliminar de falta de interesse de agir rejeitada. 4. A Comissão de Anistia ainda não julgou o pedido de revisão de valores apresentados pela parte autora protocolado em 2011, e o protocolo desta ação data de 2014, concluindo-se pela inocorrência da prescrição quinquenal do Decreto nº 20.910/32. 6. A reintegração do autor, que ocorreu a partir da declaração de anistia concedida aos funcionários públicos, trouxe “benefícios” futuros a partir do dia em que ele retornou ao labor, de forma alguma reparando anos em que o mesmo ficou afastado do serviço por demissão politicamente motivada. 7. Devida a reparação econômica em prestação única, inexistindo violação a ato jurídico perfeito, à regra do artigo 8º, § 1º, do ADCT e ao comando do artigo 16, Lei 10.559/02, sendo o montante fixado o suficiente para a reparação dos prejuízos materiais suportados pela parte autora, mormente quando foi observado o parâmetro legal de 30 salários-mínimos por ano a ser indenizado. (TRF4, AC 5005418-28.2014.404.7101, TERCEIRA TURMA, Relator FERNANDO QUADROS DA SILVA, juntado aos autos em 16/09/2016)
3 – DISPOSITIVO Ante o exposto, julgo PROCEDENTE o pedido formulado na Inicial e declaro extinto o processo com resolução do mérito, nos termos do artigo 487, I do Código de Processo Civil de 2015, para assegurar à parte requerente a continuidade do recebimento da prestação mensal, permanente e continuada, bem como da aposentadoria, nos termos pleiteados na inicial. Não condeno a União Federal a qualquer ressarcimento, eis que não foi noticiado qualquer desconto. Condeno a parte requerida em honorários advocatícios que ora fixo no
percentual mínimo em cada uma das faixas do §3º do artigo 85 do Código de Processo Civil de 2015. A incidência se dará sobre o proveito econômico obtido pela parte requerente.
Publique-se. Registre-se. Intime-se.
Encaminhe-se cópia desta sentença ao relator do agravo de instrumento noticiado nos autos.
Sentença sujeita a reexame necessário (art. 496, I, do novo CPC).
Arquivem-se, oportunamente.
Brasília, 3 de outubro de 2017.
(assinatura digital)
IVANI SILVA DA LUZ
Juíza Federal Titular da 6ª Vara/DF”

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