Jurisprudência do STF comentada – concurso público

Advogados comentando a jurisprudência do STF

Artigo publicado por Sérgio de Brito Yanagui

Revista dos Tribunais Ano 108, Setembro de 2019, Vol. 1007


Supremo Tribunal Federal
“CONCURSO PÚBLICO – Aprovação do candidato fora do número de vagas previsto pelo edital – Inadmissibilidade – Inexistência de preterição alegada, bem como qualquer excepcionalidade que poderia ocorrer para possível nomeação – Não comprovação, ademais, da existência do cargo de provimento efetivo vago no quadro do órgão.
STF – AgRg no RO em MS 35.986 – 1ª Turma – j. 07.06.2019 – Rel. Luís Roberto Barroso – DJe 19.06.2019 – Área do Direito: Administrativo.
CONCURSO PÚBLICO – Aprovação do candidato fora do número de vagas previsto pelo edital – Inadmissibilidade – Inexistência de preterição alegada, bem como qualquer excepcionalidade que poderia ocorrer para possível nomeação – Não comprovação, ademais, da existência do cargo de provimento efetivo vago no quadro do órgão.”

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07/06/2019

PRIMEIRA TURMA

AG.REG. NO RECURSO ORD. EM MANDADO DE SEGURANÇA 35.986 DISTRITO FEDERAL

RELATOR : MIN. ROBERTO BARROSO

AGTE.(S) : FLAVIA ANGELA SERVAT MARTINS

ADV.(A/S) : JOSE LOSSO FILHO E OUTRO(A/S)

AGDO.(A/S) : UNIÃO

PROC.(A/S)(ES) : ADVOGADO-GERAL DA UNIÃO

EMENTA

Ementa : DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL. AGRAVO INTERNO EM RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. CONCURSO PÚBLICO. APROVAÇÃO FORA DO NÚMERO DE VAGAS.

  1. Agravo interno contra decisão que, ao julgar recurso ordinário em mandado de segurança, manteve a denegação da ordem por não identificar preterição em concurso público.
  2. Os candidatos aprovados fora do número de vagas previsto no edital do concurso têm mera expectativa de nomeação, surgindo o direito à posse apenas em caso de preterição arbitrária e imotivada (RE 837.311, Rel. Min. Luiz Fux, j. em 09.12.2015).
  3. A contratação temporária não importa, por si só, em preterição arbitrária e imotivada, uma vez que tem por finalidade atender a necessidade excepcional e transitória. É necessário comprovar, ademais, a existência de cargo de provimento efetivo vago no quadro do órgão. Precedente.
  4. Agravo a que se nega provimento por manifesta improcedência, com aplicação de multa de 2 (dois) salários mínimos, ficando a interposição de qualquer recurso condicionada ao prévio depósito do referido valor, em caso de decisão unânime ( CPC/2015 , art. 1.021 , §§ 4º e 5º, c/c art. 81, § 2º).

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal, em Sessão Virtual, na conformidade da ata de julgamento, por unanimidade de votos, em negar provimento ao agravo, com aplicação de multa, nos termos do voto do Relator.

Brasília, 31 de maio a 6 de junho de 2019.

MINISTRO LUÍS ROBERTO BARROSO – RELATOR

COMENTÁRIO

Comentários ao Ag.Reg. no Recurso Ord. em Mandado de Segurança 35.986/DF

No dia 07 de junho de 2019, foi julgado pela Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal o agravo regimental no recurso ordinário em mandado de segurança 35.986/DF, sob a Relatoria do Ministro Luís Roberto Barroso. Na ocasião, o recurso da impetrante foi negado por unanimidade por meio de julgamento em Sessão Virtual.

A questão tratada nesse julgamento diz respeito basicamente ao direito à nomeação em concurso público por candidatos aprovados fora do número de vagas. Sobre essa questão, antes de mais nada, dois julgamentos paradigmáticos merecem ser rememorados: 1) RE 598.099, rel. Min. Gilmar Mendes, Tribunal Pleno, j. 10.08.2011; e RE 837.311, rel. Min. Luiz Fux, Tribunal Pleno, j. 09.12.2015.

No RE 598.099, o STF entendeu, em sede de repercussão geral, que a aprovação em concurso público dentro do número de vagas previstas no edital gera direito público subjetivo 1) à nomeação, não obstante a Administração Pública poder escolher o momento oportuno para realizar a nomeação. Esse direito à nomeação baseia-se em última análise no princípio da segurança jurídica e no princípio da boa-fé, os quais são absolutamente indispensáveis no Estado Democrático de Direito. Nessa linha, destacou o julgado mencionado que apenas situações excepcionalíssimas poderiam justificar a recusa da Administração em nomear os candidatos aprovados. Para tanto, é necessário atender a quatro requisitos. A situação excepcional que justificaria tal recusa deve ser (i) superveniente, (ii) imprevisível e (iii) gravíssima. Além disso, o descumprimento do dever de nomeação deve ser extremamente (iv) necessário.

No RE 837.311, o STF, também em repercussão geral, demarcou o conteúdo do direito público subjetivo à nomeação. Nessa oportunidade, ficou definido que, como regra geral, o direito à nomeação ocorre quando o candidato for aprovado dentro do número das vagas previstas no edital, em respeito à força normativa do princípio do concurso público. Nos casos em que a aprovação ocorrer fora das vagas previstas, o direito à nomeação exsurge em duas hipóteses: (i) quando não for observada a ordem de classificação 2) e (ii) quando, durante a validade do certame, surgirem novas vagas ou for aberto novo concurso, e ocorrer “a preterição de candidatos aprovados fora das vagas de forma arbitrária e imotivada por parte da administração”.

À luz desses dois julgados (RE 598.099 e RE 837.311), deve-se analisar o julgamento ora em comento. No voto condutor do AgReg no RMS 35.986/DF, entendeu-se que “a contratação temporária não importa, por si só, em preterição arbitrária e imotivada, uma vez que tem por finalidade atender a necessidade excepcional e transitória”. Realmente, em tese, a contratação temporária enquadrar-se-ia na “situação excepcional” tratada no RE 598.099, que tornaria justificável a recusa da nomeação dos candidatos por parte da Administração.

Contudo, é imprescindível verificar o caso mais de perto. Em resumo, o quadro fático é o seguinte. Foi realizado um concurso público para o preenchimento de vagas de professor de educação física de um Colégio Militar. Por terem sido aprovados fora do número de vagas, os candidatos aprovados não foram nomeados ao cargo. Como ainda havia demanda por tais profissionais, foram feitas contratações de oficiais temporários (OTTs) pelo Colégio Militar.

De acordo com o voto do Relator Ministro Luís Roberto Barroso, “as contratações temporárias realizadas pelo Colégio Militar de Curitiba tiveram por fundamento o atendimento de uma demanda excepcional e transitória, não justificando o provimento de cargos públicos efetivos”.

Entretanto, a contratação temporária de professor de educação física não parece se qualificar no instituto da contratação temporária. De acordo com o inciso IX 3) , artigo 37, da Constituição da República a contratação temporária visa atender a “excepcional interesse público”. A excepcionalidade desse tipo de contratação advém do fato de que a Constituição de 1988 estabeleceu como regra geral para o ingresso nos quadros públicos a via do concurso público.

Ora, a contratação de professor de educação física não constitui situação nem excepcional nem transitória. De fato, não é excepcional, pois a cadeira de educação física está prevista na grade curricular da educação básica em todo território nacional. Segundo o artigo 26, § 3º, da Lei 9.394/1996 (Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional), “a educação física, integrada à proposta pedagógica da escola, é componente curricular obrigatório da educação básica”. Além disso, o próprio caráter normativo da obrigatoriedade da educação física impede que seja tido como transitório.

Portanto, o cargo de professor temporário da educação básica per se não atende aos requisitos da contratação temporária, previstos no inciso IX do artigo 37 da Constituição da República. Ademais, a existência de candidatos aprovados em concurso público, ainda que fora das vagas inicialmente previstas, torna desnecessária a contratação temporária. Nessa situação, a Administração não tem qualquer justificativa para se servir da contratação temporária, devendo nomear os aprovados no certame. Caso isso fosse feito, seriam respeitados tanto o princípio do concurso público, quanto o princípio da eficiência, para dizer o mínimo.

A propósito, no voto condutor, o Ministro Luís Roberto Barroso ainda entendeu que o período de oito anos do contrato temporário confirmaria o seu caráter temporário. Contudo, esse entendimento é inaceitável, uma vez que esse lapso temporal é bastante superior a um tempo razoavelmente necessário para a realização de um concurso público, da autorização à nomeação.

Logo, a situação tratada no julgado ora comentado parece configurar sim hipótese de preterição arbitrária e imotivada de candidatos aprovados, prevista no RE 837.311, pois a Administração Pública não possui uma discricionariedade absoluta na composição do seu quadro de servidores. Pelo contrário. Há limites rígidos que impedem os abusos do administrador. Nesse sentido, vale lembrar o conceito de direito fundamental à boa administração pública do jurista Juarez Freitas, que, em síntese, significa “o direito à administração pública eficiente e eficaz, proporcional cumpridora de seus deveres, com transparência, motivação, imparcialidade e respeito à moralidade, à participação social e à plena responsabilidade por suas condutas omissivas e comissivas” 4) . Esse é o sentido da ideia de governo das leis, e não dos homens.

Sérgio de Brito Yanagui

Especialista em Direito Administrativo. Bacharel em Direito e em Filosofia pela Universidade de Brasília (UnB). É autor de diversos artigos jurídicos em revistas especializadas. Advogado.

sergioyanagui@gmail.com

RELATÓRIO

O SENHOR MINISTRO LUÍS ROBERTO BARROSO (RELATOR):

  1. Trata-se, originalmente, de embargos de declaração opostos contra decisão monocrática por mim proferida, com a seguinte ementa (doc. 8):

“DIREITO ADMINISTRATIVO. RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. CONCURSO PÚBLICO. APROVAÇÃO FORA DO NÚMERO DE VAGAS.

  1. Recurso em mandado de segurança contra acórdão do Superior Tribunal de Justiça que denegou a segurança por não reconhecer a preterição em concurso público.
  2. Candidatos aprovados fora do número de vagas previstas no edital do concurso têm mera expectativa de nomeação, só tendo direito à posse em caso de preterição arbitrária e imotivada.
  3. A contratação temporária não importa, por si só, em preterição arbitrária e imotivada, uma vez que tem por finalidade atender a necessidade excepcional.
  4. Além disso, a recorrente concorreu ao cargo de professor civil, mas as contratações temporárias foram destinadas ao exercício de posto militar. A ausência de identidade entre as funções afasta a preterição.
  5. Recurso a que se nega seguimento”.
  6. Tendo em vista a pretensão infringente, converti os embargos em agravo interno e determinei a complementação das razões pela parte embargante (doc. 12).
  7. Em suas razões, a agravante alega que (i) as contratações de oficiais temporários (OTT´s) pelo Colégio Militar ocorreram para suprir a necessidade de professores de educação física, cargo para o qual havia aprovados em concurso público; (ii) os aprovados no concurso não foram nomeados apenas porque não houve autorização do Ministério do Planejamento (MPOG); (iii) embora diversa a nomenclatura dos cargos em questão, um civil e outro militar, as qualificações exigidas e as atividades a serem desempenhadas são exatamente as mesmas; (iv) não se pode falar em uma real demanda excepcional e temporária, tendo em vista que os OTT´s podem ser contratados por 8 (oito) longos anos; e (v) os OTT´s não vieram de carreira militar, mas eram civis que, após passarem na seleção, tornaram-se militares.
  8. A União apresentou contrarrazões (doc. 19), sustentando que a agravante “não foi aprovada dentro do número de vagas previstas no edital” e que “tampouco houve preterição arbitrária e imotivada”.
  9. É o relatório.

VOTO:

O SENHOR MINISTRO LUÍS ROBERTO BARROSO (RELATOR):

  1. Conheço do recurso, por ser tempestivo.
  2. No mérito, o agravo não merece provimento. No julgamento do RE 837.311, sob a relatoria do Ministro Luiz Fux, o STF fixou a seguinte tese com repercussão geral:

“O surgimento de novas vagas ou a abertura de novo concurso para o mesmo cargo, durante o prazo de validade do certame anterior, não gera automaticamente o direito à nomeação dos candidatos aprovados fora das vagas previstas no edital, ressalvadas as hipóteses de preterição arbitrária e imotivada por parte da administração, caracterizadas por comportamento tácito ou expresso do Poder Público capaz de revelar a inequívoca necessidade de nomeação do aprovado durante o período de validade do certame, a ser demonstrada de forma cabal pelo candidato.

Assim, a discricionariedade da Administração quanto à convocação de aprovados em concurso público fica reduzida ao patamar zero (Ermessensreduzierung auf Null), fazendo exsurgir o direito subjetivo à nomeação, verbi gratia, nas seguintes hipóteses excepcionais:

i) Quando a aprovação ocorrer dentro do número de vagas dentro do edital (RE 598.099); ii) Quando houver preterição na nomeação por não observância da ordem de classificação (Súmula 15 do STF); iii) Quando surgirem novas vagas, ou for aberto novo concurso durante a validade do certame anterior, e ocorrer a preterição de candidatos aprovados fora das vagas de forma arbitrária e imotivada por parte da administração nos termos acima”.

  1. No caso, tal como assentei na decisão agravada, a alegada preterição da ora agravante ao cargo de professora civil não foi comprovada. Em primeiro lugar, a agravante não foi aprovada dentro do número de vagas previstas no edital do concurso (e-STJ – fls. 30 e 45).
  2. Em segundo lugar, as contratações temporárias realizadas pelo Colégio Militar de Curitiba tiveram por fundamento o atendimento de uma demanda excepcional e transitória, não justificando o provimento de cargos públicos efetivos. Os 8 (oito) anos a que se refere a agravante é o prazo máximo da contratação dos oficiais temporários e, na verdade, confirmam o caráter temporário da vaga.
  3. Em terceiro lugar, a agravante concorreu ao cargo de professor civil, mas as contratações temporárias foram destinadas ao exercício de posto militar. Verificar se “as qualificações exigidas” e “as atividades desempenhadas” são exatamente as mesmas, como alega a agravante, demandaria dilação probatória, incabível na via eleita.
  4. Por fim, a agravante não comprovou a existência de cargo de provimento efetivo vago no quadro do órgão. Ao contrário: os documentos demonstram que as 2 (duas) vagas existentes foram devidamente preenchidas por aprovados no certame. Conforme entendimento firmado por esta Corte, no julgamento do RMS 29.915, Rel. Min. Dias Toffoli, em 04.09.2012, a preterição, em decorrência da contratação de servidores temporários ou empregados terceirizados, de candidatos aprovados fora das vagas ofertadas no edital do concurso público somente se caracterizaria quando comprovada a existência de cargos efetivos vagos, o que não ocorreu no presente caso.
  5. Diante do exposto, nego provimento ao recurso, por manifesta improcedência.
  6. Caso o presente voto seja confirmado por unanimidade, proponho a aplicação de multa de dois salários mínimos, ficando a interposição de qualquer recurso condicionada ao prévio depósito do referido valor ( CPC , arts. 81 , § 2º, e 1.021, §§ 4º e 5º).
  7. É como voto.

EXTRATO DE ATA

AG.REG. NO RECURSO ORD. EM MANDADO DE SEGURANÇA 35.986

PROCED. : DISTRITO FEDERAL

RELATOR : MIN. ROBERTO BARROSO

AGTE.(S) : FLAVIA ANGELA SERVAT MARTINS

ADV.(A/S) : JOSE LOSSO FILHO (PR008494/) E OUTRO(A/S)

AGDO.(A/S) : UNIÃO

PROC.(A/S)(ES) : ADVOGADO-GERAL DA UNIÃO

Decisão: A Turma, por unanimidade, negou provimento ao agravo, com aplicação de multa, nos termos do voto do Relator. Primeira Turma, Sessão Virtual de 31.5.2019 a 6.6.2019.

Composição: Ministros Luiz Fux (Presidente), Marco Aurélio, Rosa Weber, Luís Roberto Barroso e Alexandre de Moraes.

João Paulo Oliveira Barros

Secretário

1

De acordo com SEABRA FAGUNDES, “os direitos que o administrado tem diante do Estado, a exigir prestações ativas ou negativas, constituem, no seu conjunto, os chamados direitos públicos subjetivos” (FAGUNDES, M. Seabra. O controle dos atos administrativos pelo Poder Judiciário. 7. ed. atualizada por Gustavo Binenbojm. Rio de Janeiro: Forense, 2005. p. 209, grifos no original).

2

Essa hipótese já estava há muito prevista na Súmula 15 do STF (aprovada na Sessão Plenária de 13/12/1963), cujo teor é o seguinte: “Dentro do prazo de validade do concurso, o candidato aprovado tem o direito à nomeação, quando o cargo for preenchido sem observância da classificação.”

3

“Art. 37. […] IX – a lei estabelecerá os casos de contratação por tempo determinado para atender a necessidade temporária de excepcional interesse público”.

4

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