Noventa pesquisadores de diversos países discutiram o futuro do direito internacional privado na 7th Journal of Private International Law Conference, pela primeira vez na América do Sul. Inovação e troca de experiências marcaram os debates nos 20 painéis.
Viagens de negócios, reuniões com advogados, burocracia e custos elevados são aspectos cada vez mais distantes da realidade do direito internacional privado. A maior circulação global de pessoas, os contratos internacionais celebrados com apenas um clique ou as relações pessoais e de trabalho entre pessoas e empresas de países diferentes impõem novos desafios aos estudiosos e profissionais do setor. Estes foram alguns dos temas discutidos na Conferência 7th Journal of Private International Law Conference, realizada na PUC-Rio entre 3 e 5 de agosto, pela primeira vez América Latina.
Organizado pelas professoras do Departamento de Direito da PUC-Rio Daniela Vargas, coordenadora central de Graduação da Universidade, e Nádia de Araújo, coordenadora pedagógica do curso, e pelo professor Paul Beaumont, da Universidade de Aberdeen, o encontro reuniu acadêmicos e profissionais da área de diferentes nacionalidades. Na abertura, dia 3, Daniela e Nádia e o diretor do Departamento de Direito, Francisco Guimarães, acolheram os participantes e expositores de 20 paineis temáticos, com questões pioneiras. Das 200 propostas de trabalho recebidas no ano passado, foram selecionadas 90, pelo critério de inovações apresentadas nas pesquisas. Assim os organizadores promoveram um vasto debate sobre o horizonte do direito internacional privado nos próximos dez anos.
A influência da tecnologia permeou os temas discutidos na conferência. Segundo especialistas, as inovações tecnológicas, em especial a internet, potencializaram reflexos internacionais nos mais variados temas, tanto para pessoas físicas como para empresas. Questões relacionadas ao direito de família, contratos, insolvência internacional, cobrança de alimentos, direito do consumidor ou direito ambiental sofreram mudanças significativas no plano internacional nos últimos anos. Segundo a professora Daniela Vargas, muitas vezes o Direito “não é capaz de acompanhar tantas mudanças”:
— A tecnologia potencializou os reflexos internacionais de quase tudo que é feito. As pessoas circulam muito mais, e isso afeta os temas de direito internacional privado. Hoje é mais comum pessoas de países diferentes se relacionarem, irem trabalhar, terem filhos ou se casarem em outro país. Há também questões como a barriga de aluguel ou a adoção. Empresas não precisam mais estar fisicamente em um país para celebrarem contratos. Hoje, com um clique em “aceito”, está firmado um contrato internacional. Tudo isso é novidade. O Direito precisa estar preparado para situações deste tipo.
Ainda de acordo com a coordenadora central de Graduação, a tradição da PUC na área do direito e a atuação intensa dos professores na comunidade acadêmica internacional contribuiu para o Rio e a Universidade serem escolhidos como sede do encontro, até então inédito no continente. A primeira vez na América Latina revelou-se “muito benéfica” para juristas brasileiros e de países vizinhos. Graças à proximidade geográfica, muitos tiveram a primeira chance de trocar experiências, atualizarem-se e pensarem, de forma coordenada, soluções relativas a variados temas da área:
— Foi uma alegria muito grande para todos este encontro ter saído pela primeira vez do circuito europeu-americano. A PUC-Rio é uma universidade que tem uma tradição em direito internacional privado, uma disciplina importante do nosso currículo, desde a criação do curso de Direito. No Rio de Janeiro temos um grupo pequeno, mas muito ativo na área. Professores de outras universidades do Brasil e do exterior discutiram juntos temas importantes — observa.
Outra característica peculiar do evento foi não adotar oradores principais, os keynote speakers. Todos os expositores também foram espectadores em determinado momento. O formato, na avaliação dos organizadores, enriqueceu os debates com a troca de experiência entre iniciantes e profissionais experientes:
— Esta talvez seja a grande diferença em relação a outros eventos da área já realizados no Brasil. Um professor de Cambridge, por exemplo, expõe mas, noutro momento, está na plateia ouvindo um aluno de pós-graduação da Turquia.
Outro ponto marcante do encontro, segundo os organizadores, remete a questões de direito comparado. O intercâmbio de soluções adotadas em outros países para os mesmos problemas vivenciados no Brasil se mostrou potencializado pela participação de autoridades brasileiras responsáveis pela internalização de convenções, o que pode facilitar a incorporação de soluções pioneiras no país:
— Para a comunidade brasileira, os temas vinculados à aplicação das Convenções da Haia são bastante importantes. São convenções de cooperação jurídica internacional, algumas que acabaram de entrar em vigor no Brasil. A partipação de representantes do Ministério da Justiça que auxiliam a aplicação destas convenções no plano interno ajuda a dar celeridade a adoção de novas soluções — reforça Daniela — A conferência propiciou a atualização e a troca de experiências, em especial com as questões de Direito comparado. Participantes de Turquia, Rússia, Índia e Austrália mostraram como os temas de direito internacional privado estão sendo tratados em seus países e as dificuldades encontradas fora do Brasil. Muitas vezes, nesta comparação, vemos que os problemas são os mesmos e as soluções encontradas para resolvê-los podem ser incorporadas aqui — completa a professora.
O professor da Universidade de Aberdeen Paul Beaumont destacou, logo na abertura da conferência, que a participação de uma parcela representativa da comunidade acadêmica na área e “um bom entendimento entre todos” mostram-se fundamentais para o desenvolvimento do direito internacional privado no mundo. Pois os acadêmicos, enfatizou ele, “têm o importante papel de convencerem os respectivos governos a aderirem às convenções internacionais e a se engajarem em busca de soluções comuns”.
Próximo encontro será em Munique, Alemanha
O engajamento e a coordenação de esforços conjuntos em busca de aperfeiçoamentos do direito internacional privado — como os ajustes a novas práticas impulsionadas por avanços tecnológicos — caracterizaram as discussões nos 20 painéis da conferência. O clima de cooperação e abertura ao intercâmbio de conhceimento culminou no otimismo e entusiasmo observado no fim do encontro, sábado passado. A professora Nádia de Araújo enfatizou a “missão de todos” de ajudarem a esclarecer os temas atuais de direito internacional privado. Ao lado do professor Anatol Dutta, da Universidade Ludwig e Maximilian, da Alemanha, a jurista anunciou a próxima rodada do encontro bienal: 12 a 14 de setembro de 2019, em Munique. Nádia considerou a conferência na PUC-Rio “muito positiva”:
— Estou muito feliz por pesquisadores e profissionais da América do Sul terem tido a chance de participar da conferência. O nível acadêmico da conferência foi muito alto, com debates ricos. O grupo que se reuniu aqui é muito expressivo na área do direito internacional privado. Discutimos temas específicos, relavantes, atuais Para o Brasil, em particular, foi muito importante ter sido a sede do encontro. Saímos beneficiados com as contribuições recebidas e trocas de experiências com tantos profissionais capacitados.
Os organizadores acreditam que as pesquisas e soluções apresentadas no encontro ajudem os países em temas da área, em especial nos associados à Conferência de Haia, uma espécie de legislativo supranacional do Direito Internacional Privado:
— A comunidade de operadores de direito da área está disposta a ajudar nas políticas de internalização das inovações propostas nos respectivos países. Como técnicos, temos o papel de atuar junto aos governos para esclarecer qualquer dúvida ou dificuldade. Os países precisam entender o que vem sendo feito na Conferência de Haia, antes de internalizar estas regras de maneira uniforme. O papel dos técnicos é mostrar isso. Hoje em dia o “cidadão global” pode se beneficiar com regras comuns em muitas situações. Por exemplo, uma família transnacional precisa de regras uniformes em questões de direito de família. Ter uma regra uniforme é difícil, pois é preciso consenso, mas esses encontros são uma chance de debater e chegar a soluções comuns — explica Nádia.
Ao fim da conferência, o professor Dutta convidou todos a participarem do próximo encontro, na Alemanha, com votos de que “se divirtam tanto quanto se divertiram no Rio de Janeiro”. As expectativas “são altas”, adiantou ele, pela “longa tradição de Munique no direito internacional privado”. A Universidade Ludwig e Maximilian, da qual faz parte o jurista, reúne três cadeiras exclusivamente dedicadas à matéria.
Segundo Nádia, os participantes elogiaram a estrutura da Universidade. Eles “deixam o Brasil com uma ótima impressão da instituição e do Rio”, observa a professora.