TMLD Advocacia consegue adquequar indenização de anistiada civil

O Escritório Torreão, Machado e Linhares Dias (TMLD) Advocacia e Consultoria conseguiu vitória no Tribunal Regional Federal da 1ª Região para adequar o valor da indenização recebida por uma anistiada civil. No voto, o relator verificou o erro no julgamento administrativo da Comissão de Anistia e estabeleceu o valor recebido por um paradigma em situação profissional idêntica. Além disso, foram fixados valores de danos morais, em razão dos prejuízos suportados pela anistiada durante a ditadura militar.

Segue abaixo inteiro teor do julgamento:

RELATOR: DESEMBARGADOR FEDERAL JIRAIR ARAM MEGUERIAN
APELANTE: (NOME OCULTADO)
ADVOGADO: DF00018257 – GUSTAVO HENRIQUE LINHARES DIAS E OUTROS(AS)
ADVOGADO: DF00049682 – ISABEL IZAGUIRRE ZAMBOTTI DORIA
ADVOGADO: DF00048548 – ANDERSON ROCHA LUNA DA COSTA
APELADO: UNIAO FEDERAL
PROCURADOR: DF00026645 – MANUEL DE MEDEIROS DANTAS

EMENTA

APELAÇÃO. ANISTIA POLÍTICA. LEI 10.559/02. REVISÃO DE PRESTAÇÃO MENSAL, PERMANENTE E CONTINUADA. POSSIBILIDADE. DANOS MORAIS. CUMULAÇÃO. POSSIBILIDADE. PRECEDENTES. SENTENÇA REFORMADA.

I. O art. 6º, caput, da Lei nº 10.559/02 possibilita que se considere, para fixação de reparação econômica mensal, permanente e continuada aos anistiados políticos, os percebidos por seus paradigmas.

II. Tendo a Comissão de Anistia reconhecido que o pagamento da prestação a ser feito à parte autora deveria ter como base a remuneração percebida pelos seus paradigmas, é de se reconhecer o erro de cálculo perpetrado pela Assessoria da mencionada Comissão, que se baseou apenas nas informações trazidas pelo órgão público em que a anistiada trabalhou, assim, cabível a revisão pretendida.

III. Prestação mensal que deve ser fixada em R$ 2.436,41 (dois mil, quatrocentos e trinta e seis reais e quarenta e um centavos) e não em R$ 1.235,48, como constou dos autos administrativos, eis que este valor foi calculado exclusivamente com base nas informações prestadas pelo órgão baiano, com parcelas de natureza e valores diferentes, sem levar em consideração os paradigmas levados aos autos do processo administrativo pela parte autora.

IV. À luz do que dispõe o art. 1º, do Decreto nº 20.910/32, embora se reconheça que o fundo do direito da parte autora não está sujeito à prescrição, as parcelas anteriores aos cincos anos, contados da propositura da ação, encontram-se acobertadas pela prescrição. Precedentes.

V. No entanto, no caso em apreço, tendo em vista que, da decisão administrativa que se pretende rever e da propositura da presente ação não decorreu o quinquênio legal, devendo por isso ser alcançadas pelas prescrição apenas as prestações que porventura fossem devidas a parte autora nos cinco anos anteriores à data da propositura de seu requerimento administrativo de anistia.

VI. “Inexiste vedação para a acumulação da reparação econômica com indenização por danos morais, porquanto se trata de verbas indenizatórias com fundamentos e finalidades diversas: aquela visa à recomposição patrimonial (danos emergentes e lucros cessantes), ao passo que esta tem por escopo a tutela da integridade moral, expressão dos direitos da personalidade” (AgRg no REsp 1.467.148/SP, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 5/2/2015, DJe 11/2/2015.)

VII. Danos morais fixados em R$ 100.000,00 (cem mil reais), em razão das peculiaridades do caso em apreço (autora que foi perseguida entre 1969 e 1979, tendo sido presa, torturada, condenada e asilada para, com prejuízo ao seu desenvolvimento acadêmico).

VIII. Apelação da autora a que se dá parcial provimento.

A C Ó R D Ã O

Decide a Sexta Turma, por unanimidade, dar parcial provimento à apelação.

Sexta Turma do TRF da 1ª Região – 27.06.2016.

Desembargador Federal JIRAIR ARAM MEGUERIAN

Relator

R E L A T Ó R I O

O Exmo. Sr. Desembargador Federal JIRAIR ARAM MEGUERIAN (Relator):

Trata-se de recurso de apelação interposto por (nome ocultado), em ação ordinária por ela ajuizada em face da UNIAO FEDERAL, contra sentença proferida pelo MM. Juiz Federal Substituto da 22ª Vara Federal da Seção Judiciário do Distrito Federal, fls. 325/330, que julgou improcedentes os pedidos formulados de indenização por danos morais por atos promovidos por agentes militares, praticados contra si durante o governo militar, além de requerer a aplicação de progressão funcional e de vantagens da categoria, segundo os critérios do art. 6º, caput, e §§ 2º a 4º e do art. 7º, §2º, da Lei nº 10.559/02.

2.                     Irresignada, apelou a autora às fls. 332/350, alegando: a) ter havido erro de Assessoria Técnica em seu parecer a respeito dos valores a serem considerados para fins de fixação das prestações mensais, permanentes e continuadas previstas na Lei nº 10.559/02, vez que, apesar de reconhecida a necessidade de atualização de valores para que fossem estabelecidos de acordo com o paradigma, a Assessoria Técnica insistiu em desconsiderar as vantagens e as progressões do cargo; b) que demonstrou de maneira cabal as progressões funcionais a que teria direito por meio de seu paradigma, meio de prova admitido pela Lei nº 10.559/02; c) que a evolução funcional já tinha sido deferida de modo expresso pela Primeira Câmara da Comissão de Anistia, sendo que a Assessoria Técnica é que deixou de observar tal determinação ao realizar os cálculos dos valores devidos; d) que o fato de não ter interposto recurso na via administrativa não teria o condão de extinguir o seu direito de verem os valores devidos pagos, não podendo o ato administrativo se furtar ao exame do Poder Judiciário; e) que por várias ocasiões alertou no âmbito administrativo o erro em que estava incorrendo a Assessoria da Comissão ao desconsiderar a incidência das evoluções funcionais determinadas pela decisão administrativa; f) que os danos morais por ela alegados ficaram devidamente demonstrados nos autos, visto que foi constantemente monitorada por suposta prática de atividades subversivas, precisou rescindir seu contrato de trabalho para viver na clandestinidade, tendo sido presa e obrigada a residir em outros países. Requer, por fim, integral reforma da decisão recorrida.

3.                     Regularmente intimada, a União apresentou suas contrarrazões às fls. 352/365, pugnando pela manutenção da sentença guerreada e pelo improvimento do recurso de apelação.

É o relatório.

Desembargador Federal JIRAIR ARAM MEGUERIAN

Relator

V O T O

APELAÇÃO. ANISTIA POLÍTICA. LEI 10.559/02. REVISÃO DE PRESTAÇÃO MENSAL, PERMANENTE E CONTINUADA. POSSIBILIDADE. DANOS MORAIS. CUMULAÇÃO. POSSIBILIDADE. PRECEDENTES. SENTENÇA REFORMADA.

I. O art. 6º, caput, da Lei nº 10.559/02 possibilita que se considere, para fixação de reparação econômica mensal, permanente e continuada aos anistiados políticos, os percebidos por seus paradigmas.

II. Tendo a Comissão de Anistia reconhecido que o pagamento da prestação a ser feito à parte autora deveria ter como base a remuneração percebida pelos seus paradigmas, é de se reconhecer o erro de cálculo perpetrado pela Assessoria da mencionada Comissão, que se baseou apenas nas informações trazidas pelo órgão público em que a anistiada trabalhou, assim, cabível a revisão pretendida.

III. Prestação mensal que deve ser fixada em R$ 2.436,41 (dois mil, quatrocentos e trinta e seis reais e quarenta e um centavos) e não em R$ 1.235,48, como constou dos autos administrativos, eis que este valor foi calculado exclusivamente com base nas informações prestadas pelo órgão baiano, com parcelas de natureza e valores diferentes, sem levar em consideração os paradigmas levados aos autos do processo administrativo pela parte autora.

IV. À luz do que dispõe o art. 1º, do Decreto nº 20.910/32, embora se reconheça que o fundo do direito da parte autora não está sujeito à prescrição, as parcelas anteriores aos cincos anos, contados da propositura da ação, encontram-se acobertadas pela prescrição. Precedentes.

V. No entanto, no caso em apreço, tendo em vista que, da decisão administrativa que se pretende rever e da propositura da presente ação não decorreu o quinquênio legal, devendo por isso ser alcançadas pelas prescrição apenas as prestações que porventura fossem devidas a parte autora nos cinco anos anteriores à data da propositura de seu requerimento administrativo de anistia.

VI. “Inexiste vedação para a acumulação da reparação econômica com indenização por danos morais, porquanto se trata de verbas indenizatórias com fundamentos e finalidades diversas: aquela visa à recomposição patrimonial (danos emergentes e lucros cessantes), ao passo que esta tem por escopo a tutela da integridade moral, expressão dos direitos da personalidade” (AgRg no REsp 1.467.148/SP, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 5/2/2015, DJe 11/2/2015.)

VII. Danos morais fixados em R$ 100.000,00 (cem mil reais), em razão das peculiaridades do caso em apreço (autora que foi perseguida entre 1969 e 1979, tendo sido presa, torturada, condenada e asilada para, com prejuízo ao seu desenvolvimento acadêmico).

VIII. Apelação da autora a que se dá parcial provimento.

O Exmo. Sr. Desembargador Federal JIRAIR ARAM MEGUERIAN (Relator):

Ao analisar os autos tenho que assiste razão, em parte, à apelante. De fato, ao fixar o valor a ser por ela percebido a título de prestação econômica mensal, permanente e continuada, os Conselheiros da Comissão de Anistia do Ministério da Justiça, em sessão de votação, preferiram privilegiar os valores percebidos pelo paradigma levado aos autos administrativos em detrimento das informações prestadas pela Secretaria de Trabalho da Bahia, entendimento possível ante o exposto no art. 6º, caput, da Lei nº 10.559/02. É o que se pode depreender da leitura da transcrição da sessão de julgamento de fls. 80/82, da qual peço vênia para colacionar trechos de maior relevância, a este respeito:

“(…) Conselheiro Presidente – Sérgio Muylaert: (…) o que se tem aqui é o que está nos autos, o que há nos autos é uma referência a um valor remuneratório, essa remuneração, se converte em indenização, a reparação econômica ela tem um valor indenizatório, e não podemos extrair do nada, um valor que não seja aquele que esta, se tem um paradigma e já foi trazido aos autos, eu devolvo a palavra à Conselheira Vera Santana (…)

Conselheira Vera Lúcia: (…) Bom, seguramente que o voto por mim proferido não adentrou apreciar a declarante Vanda Sampaio de Sá Barreto, aqui se manifestando às fls. 65, às fls. 66; temos o contra cheque que registra um salário (…), remuneração liquida dizendo de R$ 2.399,08, tem uma outra declaração da Iara Souza Farias, com um salário mensal, socióloga, de R$ 2.036,00, em verdade o trabalho por essa assessoria técnica pra fins de fixação de enquadramento de cargo e salários baseou-se com exclusividade ap doc. de fls. 89, em que a Secretaria do Estado da Bahia, responde ao ofício desta Comissão então noticia, historia, funcionalmente à situação da Dra.  (Nome Ocultado), para trazer em resposta ao item 5 do ofício o seguinte “As vantagens atualmente pagas a categoria de Analista Técnico classe 1, na condição de servidor que permaneceu em folha de pagamento na mesma categoria (…) as informações abaixo com em composição. No item 4 eles dão conta de todo o instrumental jurídico legal do estado e conclui que o estado pela 8889/2003, a interessada passaria para o cargo de analista técnico classe 1 em resposta ao item 5, está uma introdução e da como vencimento básico a R$ 175,00, adicional de tempo de serviço ou 37% de 175,75, gratificação por competência 30 referencia 1, R$ 347,00, com total bruto de R$ 997,75. Bom, como até em comentário, como chamei atenção extra pauta (…), de pronto manifestei, não só dizer inconformidade, porque não me e dado como Conselheira, ficar inconformada com o que houve da apreciação do voto, essa situação paradigmática trazida pela Dra. Vanda Sampaio de Sá Barreto, talvez fosse o caso Sr. Presidente de que por um pedido de vista ou diligencia nos autos voltassem a assessoria técnica para fins de analise no que se refere a aplicação de paradigma do caso trazido e que há (…) dos autos quando da analise primeira, de modo que se respeite inclusive o entendimento do que vem sendo consolidado por esta Comissão, no tocante a aplicação de situações assemelhadas e contando a situação da Dra. Vanda, com o informe oficialmente lavrado pelo órgão oficial da Bahia e um reenquadramento da interessada. (…)

Conselheiro Vanderlei de Oliveira: é uma dúvida Conselheira Vera, esses contracheques que ai estão acostados de 2 paradigmas eles discriminam as parcelas que estão sendo pagas? Só para perceber se são diferentes daquelas informadas.

Conselheira Vera Lúcia: Com, o das fls. 66, Vanda de Sá Barreto, cargo de agente público/pedagógico aposentada. Então a discriminação. Vencimento R$ 326,85, esse contra cheque é de 2001, estabilidade econômica 37, R$ 1.395,93, adicional de tempo de serviço R$ 416,00, bom aqui é ilógico não pode ser contabilizado, tem um adiantamento de 13 salário, de R$ 1.064,39. Esse é o contra-cheque juntado pela interessada que acompanha a declaração enviada pela Sra. Vanda de Sá Barreto e que é de 2001. Então, se for ver pelas verbas fixas, e como esse Documento da Secretaria e posterior, seguramente que a de ser atualizar o valor, mas enfim, creio que respondendo a indagação do Conselheiro Vanderlei, Sr. Presidente, era isso que tinha a esclarecer.

Conselheiro Vanderlei de Oliveira: Bom, Sr. Presidente, está esclarecido e eu queria fazer as seguintes considerações. Muito bem colocados os paradigmas, a própria lei manda considerar as promoções como se na ativa estivesse, creio que não teremos dificuldade em reconhecer as suas progressões porque estão legalmente previstas, e lembro que o fato de ter documentado, influi no calculo da PMPC, tempo de serviço e também de outras parcelas, cheguei a conclusão de que as parcelas que estão nominadas no paradigma da Sra. Vanda, são diferentes das que foram nominadas para a requerente de maneira que entra o trabalho da assessoria técnica com a minha sugestão, calcule o vencimento básico, mais o tempo de serviço a ser deferido (…) mais uma parcela devido aos cursos, de maneira que pode-se fazer um contra cheque para se chegar a uma prestação mensal, que a gente julgue ser mais justa. Penso que o processo, invés de um pedido de vistas, penso que era melhor fazer diligencia pra fazer esse contra cheque simulado com base nas informações de 2005, que tem ai na (…) e fazer então a diligência (…).

Presidente: Declaração de anistiado político e a PMPC nos valores aqui descritos com as devidas atualizações dos paradigmas e a contagem de tempo de serviço.”

2.                     Em suma, diferentemente do cálculo feito pela assessoria, que se baseou no documento de fl. 282, fornecido pela Secretaria do Trabalho, Assistência Social e Esporte – SETRAS, para conceder o valor de R$ 1.235,48 a título de prestação mensal, permanente e continuada, a determinação da Comissão de Anistia foi no sentido de que o cálculo mencionado fosse feito com base nos valores recebidos de maneira atualizada pelo paradigma levado aos autos administrativos pela parte autora, afastada apenas a parcela referente ao adiantamento de 13º Salário.

3.                     À fl. 48, consta do contracheque de abril/2005 do paradigma Vanda Sampaio de Sá Barreto, que conforme declaração de fl. 46 também era socióloga no mesmo órgão em que a autora trabalhava, sendo ambas colegas de trabalho entre 1968 e 1969.

4.                     Do documento de fl. 48, tem-se que a paradigma recebia como vantagens totais R$ 3.654,61; desse montante, deve ser descontado R$ 1.218,20, valor relativo ao adiantamento de 13º Salário, por se tratar de verba paga esporadicamente.

5.                     Não havendo indícios nos autos de que as demais verbas tenham cunho pessoal, conclui-se que elas (vencimento, estabilidade econômica e adicional de tempo de serviço) seriam pagas normalmente à autora se não tivesse seu contrato de trabalho rescindido em razão da perseguição política por ela sofrida, e tanto assim o é que também são pagas a Sra. Iara Souza Farias, socióloga aposentada do mesmo órgão e também colega de trabalho da autora entre 1968 e 69 (fls. 49 e 50).

6.                     Logo, conclui-se que a autora deveria receber, nos termos da decisão da Comissão de Anistia, a quantia de R$ 2.436,41 (dois mil, quatrocentos e trinta e seis reais e quarenta e um centavos) e não R$ 1.235,48, como constou de fl. 100, eis que este valor foi calculado exclusivamente com base nas informações prestadas pelo órgão baiano, com parcelas de natureza e valores diferentes, sem levar em consideração os paradigmas levados aos autos do processo administrativo pela parte autora.

7.                     Por isso, tenho que seu pleito revisional, no que toca à prestação mensal, permanente e continuada, merece parcial acolhida, para que sejam pagos mensalmente R$ 2.436,41 (dois mil, quatrocentos e trinta e seis reais e quarenta e um centavos) à parte autora/apelante.

8.                     De acordo com o disposto no art. 11, parágrafo único, da Lei nº 10.559/02, tem-se que o valor da prestação continuada poderá ser revisto a qualquer tempo, desde que não tenha sido arbitrado de acordo com o disposto nos artigos 6º e seguintes do mencionado diploma, como se nota a seguir:

“Parágrafo único.  O anistiado político ou seu dependente poderá solicitar, a qualquer tempo, a revisão do valor da correspondente prestação mensal, permanente e continuada, toda vez que esta não esteja de acordo com os arts. 6o, 7o, 8o e 9o desta Lei.” (negritei)

9.                     Contudo, não se pode olvidar da aplicação do disposto no art. 1º, do Decreto nº 20.910/32, in verbis:

“Art. 1º As dívidas passivas da União, dos Estados e dos Municípios, bem assim todo e qualquer direito ou ação contra a Fazenda federal, estadual ou municipal, seja qual for a sua natureza, prescrevem em cinco anos contados da data do ato ou fato do qual se originarem.” (negritei)

10.                   Conjugando os dois dispositivos transcritos, a interpretação resultante sobre a prescrição no presente caso é de que, reconhecida a revisão dos valores fixados a título de reparação indenizatória decorrente de anistia política, em regra, ela alcançaria apenas as parcelas pagas à parte autora nos cinco anos que precederam a propositura da presente demanda, prescrevendo a revisão relativa às prestações mensais pagas anteriormente ao citado período.

11.                   Nesse sentido, aliás, já se manifestou a jurisprudência, a exemplo do julgado abaixo colacionado:

“ADMINISTRATIVO. MILITAR ANISTIADO. REVISÃO DO ATO DA COMISSÃO POLÍTICA DO MINISTÉRIO DA JUSTIÇA QUANTO AOS EFEITOS FINANCEIROS RETROATIVOS DA INDENIZAÇÃO. PRESTAÇÕES DE TRATO SUCESSIVO. OCORRÊNCIA DA PRESCRIÇÃO. DECRETO Nº 20.910/32. 1. Trata-se, na hipótese, de militar declarado anistiado político pela Comissão de Anistia, por meio da Portaria nº 998, de 7 de abril de 2004. 2. Insurge-se, o apelante, contra a sentença monocrática que julgou extinto o processo, com julgamento do mérito, ao reconhecer a prescrição do fundo de direito à pretensão de revisão do ato de anistia. Requer que os efeitos retroativos da indenização devida retroajam ao ano de 1979. 3. A superveniência da Lei nº 10.559/2002, que regulamentou o disposto no art. 8º do ADCT da Constituição da República, constituiu renúncia tácita à prescrição, nos termos mencionados pelo apelante, motivo pelo qual não há que se falar em prescrição do fundo de direito. 4. Nas ações onde se busca a revisão do ato que declarou o apelante anistiado político, no sentido de que efeitos financeiros daí advindos retroajam ao período de 1979/1988 corre a prescrição tão-somente com relação às parcelas anteriores ao quinquênio que antecede a propositura da ação. Tendo sido a ação ajuizada em 2005, encontra-se prescrita a pretensão aludida (art. 1º do Decreto nº 20.910/32). 5. Ademais, a indenização em comento deve ser justa e digna para os fins a que se destina, não pode ser irrisória ou simbólica e não pode ensejar enriquecimento sem causa. 6. Apelação improvida. Manutenção da sentença pelos fundamentos do voto condutor. Mantidos os termos com relação à condenação do autor no pagamento dos ônus sucumbenciais” (AC 200551010077414, Desembargador Federal GUILHERME CALMON NOGUEIRA DA GAMA, TRF2 – SEXTA TURMA ESPECIALIZADA, E-DJF2R – Data::24/05/2010 – Página::175.) (negritei)

12.                   Ainda neste tópico, verifique-se o teor da Súmula 85 do STJ, que regulamenta a questão, a seguir transcrita:

“NAS RELAÇÕES JURIDICAS DE TRATO SUCESSIVO EM QUE A FAZENDA
PUBLICA FIGURE COMO DEVEDORA, QUANDO NÃO TIVER SIDO NEGADO
O PROPRIO DIREITO RECLAMADO, A PRESCRIÇÃO ATINGE APENAS AS
PRESTAÇÕES VENCIDAS ANTES DO QUINQUENIO ANTERIOR A PROPOSITURA.” (Negritei)

13.                   No entanto, a propositura da ação revisional em apreço deu-se em 15 de janeiro de 2008, antes de decorridos 3 anos da decisão administrativa que se pretende revisar, prolatada em 08/12/2005 (fl. 303), não tendo, portanto, se configurado o lapso prescricional. Portanto, tenho que a prescrição deve alcançar apenas as parcelas pagas à parte autora anteriores aos cinco anos contados da propositura de seu requerimento administrativo de declaração de anistia política. À luz do documento de fl. 131, tem-se que o pedido de anistia foi feito administrativamente pela parte autora em 20/01/1997, assim, o pleito revisional deve alcançar as parcelas que lhe seriam devidas anteriormente a 20/01/1992.

14.                   A fim de evitar-se enriquecimento sem causa, dos valores a serem pagos em razão da retroatividade tratada no item anterior, devem ser descontados os que já eventualmente tenham sido pagos pela via administrativa a título de prestação mensal, permanente e continuada, limitados a 20/01/1992. Os juros de mora e a correção monetária incidem a contar de cada parcela devida, individualmente considerada, nos termos do Manual de Cálculos da Justiça Federal.

15.                   Quanto aos danos morais, anteriormente, entendia não ser cabível sua acumulação com as prestações econômicas previstas na Lei nº 10.559/02, em razão do disposto no art. 16 do mencionado diploma legal.

16.                   No entanto, tendo em vista a nova interpretação dada pelo C. STJ, curvo-me ao entendimento da mencionada Corte Superior, e passo a acolher a possibilidade de cumulação entre as prestações percebidas de acordo com a Lei nº 10.559/02 e indenização por dano moral em razão da perseguição política ocorrida durante o Regime Militar.

17.                   E assim passo a entender porque a prestação econômica mensal, permanente e continuada tem o condão de recompor o patrimônio do anistiado político, diferente, portanto da função que se atribui à indenização por dano moral, de reparar danos causados aos direitos da personalidade do perseguido politicamente. Nesse sentido, confira-se:

“ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. ANISTIADO POLÍTICO. OFENSA AO ART. 535 DO CPC. INOCORRÊNCIA. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. PERSEGUIÇÃO POLÍTICA OCORRIDA DURANTE O REGIME MILITAR INSTAURADO EM 1964. PRAZO PRESCRICIONAL. INAPLICABILIDADE DO ART. 1º DO DECRETO 20.910/32. VIOLAÇÃO DE DIREITOS HUMANOS FUNDAMENTAIS. IMPRESCRITIBILIDADE. PRECEDENTES. ART. 16 DA LEI Nº 10.559/02.  REPARAÇÃO  ECONÔMICA  NO  ÂMBITO  ADMINISTRATIVO QUE NÃO INIBE  A  REIVINDICAÇÃO  DE  DANOS  MORAIS  PELO  ANISTIADO  NA  VIA JUDICIAL. JUROS E CORREÇÃO INCIDENTES SOBRE O VALOR DA CONDENAÇÃO. APLICABILIDADE  DO  ART. 1º- F DA LEI Nº 9.494/97 COM A REDAÇÃO DADA PELA LEI Nº 11.960/09. RECURSO DA UNIÃO PARCIALMENTE ACOLHIDO.

1.  Não ocorre ofensa ao art. 535 do CPC, quando a Corte de origem dirime,  fundamentadamente,  as  questões  que  lhe  são submetidas, apreciando  integralmente a controvérsia posta nos autos 2. Conforme jurisprudência do STJ, “a prescrição quinquenal, disposta no art. 1º do  Decreto  20.910/1932,  não  se  aplica  aos danos decorrentes de violação  de  direitos  fundamentais,  os quais são imprescritíveis, principalmente  quando  ocorreram durante o Regime Militar, época em que   os   jurisdicionados   não  podiam  deduzir  a  contento  suas pretensões”  (AgRg  no AREsp 302.979/PR, Rel. Ministro Castro Meira, Segunda Turma, DJe 5/6/2013).

3.  Mesmo  tendo  conquistado  na  via  administrativa  a  reparação econômica de que trata a Lei nº 10.559/02, e nada obstante a pontual restrição  posta  em  seu  art.  16 (dirigida, antes e unicamente, à Administração  e  não  à  Jurisdição),  inexistirá  óbice  a  que  o anistiado,  embora  com  base  no mesmo episódio político mas porque simultaneamente  lesivo  à  sua  personalidade,  possa reivindicar e alcançar,  na  esfera  judicial,  a  condenação  da  União  também à compensação pecuniária por danos morais.

4. Nas hipóteses de condenação imposta à Fazenda Pública, como regra geral,  a  atualização  monetária  e  a  compensação  da  mora devem observar  os  critérios  previstos no art. 1º-F da Lei n.º 9.494/97, com  a  redação  dada  pela  Lei  n.º  11.960/09. Acolhimento, nesse específico ponto, da insurgência da União.

5. Recurso especial a que se dá parcial provimento.” (REsp 1485260/PR, Rel. Ministro SÉRGIO KUKINA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 05/04/2016, DJe 19/04/2016) (Negritei)

“ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. PERSEGUIÇÃO POLÍTICA OCORRIDA DURANTE O REGIME MILITAR. ACUMULAÇÃO DE REPARAÇÃO ECONÔMICA COM INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. POSSIBILIDADE. PRECEDENTES.

1. “A Lei 10.559/2002 proíbe a acumulação de: (I) reparação econômica em parcela única com reparação econômica em prestação continuada (art. 3º, § 1º); (II) pagamentos, benefícios ou indenizações com o mesmo fundamento, facultando-se ao anistiado político, nesta hipótese, a escolha da opção mais favorável (art. 16)” (REsp 890.930/RJ, Rel. Ministra DENISE ARRUDA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 17/5/2007, DJ 14/6/2007, p. 267.).

2. “Inexiste vedação para a acumulação da reparação econômica com indenização por danos morais, porquanto se trata de verbas indenizatórias com fundamentos e finalidades diversas: aquela visa à recomposição patrimonial (danos emergentes e lucros cessantes), ao passo que esta tem por escopo a tutela da integridade moral, expressão dos direitos da personalidade” (AgRg no REsp 1.467.148/SP, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 5/2/2015, DJe 11/2/2015.).

3. A modificação de entendimento em uma das Turmas do STJ não afasta a possibilidade de outra discernir, mantendo o entendimento então prevalente, de modo que eventual desacordo deverá ser enfrentado por meio do recurso cabível, qual seja, os embargos de divergência, consoante dispõe o art. 266 do RISTJ.

Agravo regimental improvido.” (AgRg no REsp 1563216/PR, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA TURMA, julgado em 03/12/2015, DJe 14/12/2015) (Negritei)

“PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL. OFENSA À DISPOSITIVO CONSTITUCIONAL. COMPETÊNCIA DO STF. POSSIBILIDADE DE CUMULAÇÃO DE DANOS MORAIS E MATERIAIS. ANISTIADO POLÍTICO.

1. É importante registrar a inviabilidade de o STJ apreciar ofensa aos artigos da Carta Magna, uma vez que compete exclusivamente ao Supremo Tribunal Federal o exame de violação a dispositivo da Constituição da República, nos termos do seu art. 102, III, “a”.

2. O direito à indenização por danos materiais não exclui, obviamente, o direito à reparação por danos morais sofridos pelo anistiado político. Aplica-se, por conseguinte, a orientação consolidada na Súmula 37/STJ: “São cumuláveis as indenizações por dano material e dano moral oriundos do mesmo fato.”

3. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça tem se posicionado no sentido de que o ressarcimento efetivado pela União em virtude da edição da Lei 10.559/2002 possui natureza distinta da reparação moral decorrente do previsto no art. 5º, V e X, da CF/1988.

4. Agravo Regimental não provido.” (AgRg no AREsp 662.667/PR, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 26/05/2015, DJe 05/08/2015) (Negritei)

“PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. VIOLAÇÃO DO ART. 535 DO CPC. DEFICIÊNCIA NA FUNDAMENTAÇÃO. SÚMULA 284/STF. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. PERSEGUIÇÃO POLÍTICA OCORRIDA DURANTE O REGIME MILITAR. IMPRESCRITIBILIDADE. INAPLICABILIDADE DO ART. 1º DO DECRETO 20.910/1932. PRECEDENTES. ACUMULAÇÃO DE REPARAÇÃO ECONÔMICA COM INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. POSSIBILIDADE. PRECEDENTES.

1. Não se conhece do Recurso Especial em relação à ofensa ao art. 535 do CPC quando a parte não aponta, de forma clara, o vício em que teria incorrido o acórdão impugnado. Aplicação, por analogia, da Súmula 284/STF.

2. A jurisprudência do STJ é pacificada no sentido de que a prescrição quinquenal, disposta no art. 1º do Decreto 20.910/1932, é inaplicável aos danos decorrentes de violação de direitos fundamentais, que são imprescritíveis, principalmente quando ocorreram durante o Regime Militar, época na qual os jurisdicionados não podiam deduzir a contento suas pretensões.

3. Ressalte-se que a afronta aos direitos básicos da pessoa humana, como a proteção da sua dignidade lesada pela tortura e prisão por delito de opinião durante o Regime Militar de exceção, enseja ação de reparação ex delicto imprescritível e ostenta amparo constitucional no art. 8.º, § 3º, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias.

4. O Supremo Tribunal Federal já reconheceu, em hipótese similar à dos autos, a inexistência de violação ao art. 97 da CF/88 quando o acórdão recorrido entendeu inaplicável o prazo prescricional estabelecido no art. 1º do Decreto 20.910/1932.

5. A Lei 10.559/2002 proíbe a acumulação de: a) reparação econômica em parcela única com reparação econômica em prestação continuada (art. 3º, § 1º); b) pagamentos, benefícios ou indenizações com o mesmo fundamento, facultando-se ao anistiado político, nesta hipótese, a escolha da opção mais favorável (art. 16).

6. Inexiste vedação para a acumulação da reparação econômica com indenização por danos morais, porquanto se trata de verbas indenizatórias com fundamentos e finalidades diversas: aquela visa à recomposição patrimonial (danos emergentes e lucros cessantes), ao passo que esta tem por escopo a tutela da integridade moral, expressão dos direitos da personalidade.

7. Não compete ao STJ, em julgamento de Recurso Especial e para fins de prequestionamento, apreciar alegação de afronta a dispositivos constitucionais, sob pena de usurpação da competência do STF (art.102, III, da CF/1988).

8. Agravo Regimental não provido.” (AgRg no REsp 1467148/SP, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 05/02/2015, DJe 11/02/2015)

18.                   No caso em apreço, tenho que os documentos acostados aos presentes autos evidenciam as ofensas aos direitos da personalidade sofridos pela parte autora perpetradas pelas perseguições políticas sofridas durante o Regime Militar.

19.                   Às fls. 26/27 consta certidão de lavra da 1ª Circunscrição Judiciária Militar dando conta de que a autora foi denunciada e condenada nos autos do Processo nº 43/69 pelos crimes previstos nos artigos 21, 23, 33, inciso I, II e IV, 36, 37, 39, incisos II, III e 41 do Decreto-Lei nº 314/67, com as modificações introduzidas pelo Decreto-Lei nº 510/69, todos de cunho político, tendo sua punibilidade extinta apenas pela Lei nº 6.683/79. Da mencionada certidão consta, ainda, que a autora ficou presa entre 02/09/69 e 05/10/70, preventivamente.

20.                   Às fls. 29/31, noto a existência de relatório da Subsecretaria de Inteligência da Presidência de República, descrevendo que a autora foi detida em 02/09/1969 pelo DOPS/GB e liberada apenas em 22/10/1971, mediante liberdade controlada.

21.                   Menciona tal documento que pela denúncia oferecida pelo Ministério Público Militar no Processo nº 43/69, a ora apelante foi condenada, apesar de haver parecer nos autos de que “os dados eram insuficientes e que, no sumário não foi apresentado nenhum elemento de convicção” (fl. 30).

22.                   O documento elaborado pela Subsecretaria de Inteligência informa também que depois da prisão preventiva sofrida pela autora, ela se asilou em embaixada, tendo sido revel no processo militar que lhe fora movido; “constou de relação oficial, elaborada pela Secretaria de Relações Exteriores, órgão do Governo Mexicano, de brasileiros refugiados naquele país, oriundos de Santiado/Chile”, em 77 encontrava-se em Estocolmo na Suécia, tendo retornado ao Brasil apenas em 12/12/1979 (fls. 30/31).

23.                   Ainda, conforme relato prestado à Comissão de Anistia, fls. 86/96, a apelante informou que após sua prisão preventiva, ficou um mês sob sequestro das autoridades públicas, incomunicável, em local desconhecido (fl. 90), além de ter sofrido torturas durante o período em que ficou presa (fl. 90), que segundo elas foram descritas no livro “Ditadura Envergonhada”, de Helio Gasto (fl. 89).

24.                   Além disso, para se refugiar das perseguições de ordem política sofridas, foi obrigada a mudar-se de Salvador para o Rio de Janeiro e, posteriormente, a se exilar em diversos países, como Uruguai, Chile, México, Suécia, Moçambique, o que lhe acarretou diversos prejuízos à carreira acadêmica, vindo apenas a concluir seu doutorado em 2003 (fl. 238).

25.                   Certamente, a perseguição promovida em razão dos ideais políticos sustentados pela autora, que lhe acarretou a quebra do vínculo empregatício, o afastamento do país e o atraso no seu desenvolvimento acadêmico, ao causar-lhe as mencionadas consequências, violou os direitos da personalidade da autora, sobretudo no que diz respeito à liberdade de manifestar-se, de locomover-se, de pensar e de desenvolver-se, afetando diretamente sua dignidade.

26.                   Por tal motivo, é de se reconhecer seu direito a ser indenizada por tais prejuízos. Tendo em vista que a perseguição sofrida pela autora foi perpetrada por agentes do Estado, é dever deste responder objetivamente pelos danos causados, nos termos do art. 37, § 6º, da Constituição Federal.

27.                   Contudo, ressalto de início que a fixação de indenização por danos morais é tarefa deveras complexa e que o caso trazido aos autos possui particularidades que em muito se distanciam do corriqueiramente aferido.

28.                   Em suma, a perseguição política sofrida pela autora se deu entre 1969, ano em que foi presa, e 1979, ano que retornou ao Brasil, segundo seu relato (fl. 92). Foi presa, torturada, exilada e teve prejuízo no desenvolvimento de suas atividades acadêmicas.

29.                   Além de levar em consideração as circunstâncias pessoais da parte autora, o valor a ser arbitrado a título de indenização por danos morais não pode ser ínfimo, sob pena de nada reparar, nem excessivamente elevado, a fim de que não cause enriquecimento sem causa.

30.                   É possível, ademais, em que pesem as peculiaridades de cada caso concreto, levar em consideração outras situações já decididas por esta E. Corte, que também envolveram perseguição de cunho político perpetrada durante o Regime Militar e se reconheceu o direito de indenização por danos morais, a exemplo das ementas abaixo colacionadas:

“PROCESSUAL CIVIL. CONSTITUCIONAL, ADMINISTRATIVO. PRESCRIÇÃO. INOCORRÊNCIA. TEORIA DA CAUSA MADURA. APLICAÇÃO. REGIME MILITAR. PERSEGUIÇÃO POLÍTICA. DANOS MORAIS. RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA DO ESTADO. RELAÇÃO DE CAUSALIDADE DEMONSTRADA. INDENIZAÇÃO.  I – É imprescritível a pretensão de reparação por danos materiais ou morais decorrentes de perseguição, tortura ou prisão durante o regime militar, mesmo porque a edição da Lei 10.559/2002 importou em renúncia tácita à prescrição. Precedentes.  II – Afastada a prejudicial meritória de prescrição reconhecida na sentença recorrida, deve ser privilegiada a teoria da causa madura de que trata o art. 515, § 3º, do CPC, e examinado o mérito pelo Tribunal nas hipóteses em que o processo encontra-se em condições para seu imediato julgamento. Precedente da Corte Especial do STJ: EREsp 299246/PE.  III – Diante do princípio da responsabilidade civil objetiva do Estado, com apoio na Teoria do Risco Administrativo, é cabível indenização por dano, tanto material como moral, a quem foi infligido tratamento que atingiu as esferas física e psíquica, resultando, daí, na violação de direitos constitucionalmente garantidos e protegidos (CF, art. 5º, X). Assim, comprovado o nexo de causalidade entre o dano e a atuação estatal, incide a regra prevista no art. 37, § 6º, da CF/88.  IV – Valor de R$ 50.000,00 pelos danos morais que se afigura razoável, levando-se em consideração as circunstâncias e peculiaridades da causa, como a prisão ocorrida aos doze anos de idade, danos psicológicos enfrentados pelo autor, entre outros, não podendo ser ínfimo, para não representar uma ausência de sanção efetiva ao ofensor, nem excessivo, para não constituir um enriquecimento sem causa em favor do ofendido.  V – Recurso do autor a que se dá provimento.” (AC 0019319-51.2012.4.01.3400 / DF, Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL JIRAIR ARAM MEGUERIAN, SEXTA TURMA, e-DJF1 p.3709 de 16/10/2015)

“ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. ANISTIA POLÍTICA. PRESTAÇÃO MENSAL: REVISÃO. POSSIBILIDADE. DANO MORAL. OCORRÊNCIA. PRESCRIÇÃO. INEXISTÊNCIA.  I – Preliminares de ausência de interesse de agir e de impossibilidade jurídica do pedido afastadas, a uma, por que, consoante o art. 5º, XXXV, da Constituição Federal, “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”, motivo pelo qual não se faz desnecessário o prévio requerimento administrativo quando da pretensão de revisão do valor da prestação mensal continuada; e a duas, porque o pedido é juridicamente possível na medida em que a concessão da prestação mensal continuada levou em consideração o último salário do autor, e neste feito ele tenta demonstrar que o último valor salarial não é aquele considerado pela Comissão de Anistia.  II – A pretensão de reparação por danos materiais ou morais decorrentes de perseguição, tortura ou prisão durante o regime militar é imprescritível, mesmo porque a edição da Lei 10.559/2002 importou em renúncia tácita à prescrição.  III – Autor, que já é beneficiário da prestação mensal continuada, pretende a revisão do benefício, motivo pelo qual se aplica ao caso a prescrição quinquenal prevista no art. 1º do Decreto 20.910/1932.  IV – Concedida a anistia na fase administrativa, em prestação única em 1999, com recurso administrativo formulado em 2001, parcialmente deferido em 2003, com impugnação pelo autor do valor mensal em 2004, indeferimento final em 2007, não há que se falar em prescrição por ajuizada a ação em pertinente em 2008.  V – A concessão do benefício levou em consideração o valor do último salário recebido pelo autor, conforme declarações da última empregadora, de R$9,67 por hora ou R$2.030,70 por mês e R$15,88 por hora ou R$3.334,80 por mês, valores esses retificados por declaração posterior, que informa que o último salário corespondia a R$21,04 por hora ou R$4.418,42 por mês.  VI – A responsabilidade da União pelos danos causados em razão de atividades políticas é objetiva, a teor do art. 37, § 6 º, do CF, sendo necessária somente a demonstração do nexo de causalidade entre o fato e o evento danoso, já que o direito à indenização restou assegurado pelo art. 8º, § 2º, do Ato das Disposições constitucionais Transitórias – ADCT, segundo o qual “Ficam assegurados os benefícios estabelecidos neste artigo aos trabalhadores do setor privado, dirigentes e representantes sindicais que, por motivos exclusivamente políticos, tenham sido punidos, demitidos ou compelidos ao afastamento das atividades remuneradas que exerciam, bem como aos que foram impedidos de exercer atividades profissionais em virtude de pressões ostensivas ou expedientes oficiais sigilosos”.  VII – Regulamentando tal dispositivo, a Lei 10.559/2002 veio reconhecer o status de anistiado político àquelas pessoas que foram punidas, demitidas ou compelidas ao afastamento das atividades remuneradas que exerciam, bem como impedidos de exercer atividades profissionais em virtude de pressões ostensivas ou expedientes oficiais sigilosos, sendo trabalhadores do setor privado ou dirigentes e representantes sindicais.  VIII – Comprovado que o autor teve contra si instaurado inquérito policial, bem como teve sua prisão preventiva decretada, revogada em 20/05/1980, em razão de participação em movimento grevista, distribuição de material político, bem como teve apreendidos materiais de cunho político, tidos por “subversivos”, resta devidamente configurada a prática da conduta lesiva por parte da União, consubstanciada no aprisionamento do autor por motivos de ordem política, bem assim o dano moral decorrente desse encarceramento e o nexo de causalidade entre a conduta delitiva e o dano moral por ele sofrido.  IX – Caracterizado o dano moral sofrido pelo autor, surge o dever do Estado de indenizá-lo, uma vez configurados os pressupostos da responsabilidade objetiva da Administração Pública (CF, art. 37, §6º), à luz da teoria do risco administrativo, adotada pelo direito brasileiro, que prevê a obrigação da Administração de reparar os danos causados a terceiros, pelos seus agentes, no exercício de suas funções, independentemente da existência de culpa. Exige-se, como é por demais sabido, tão-somente a comprovação do dano e do nexo causal entre ele e a atuação do agente público, o que, sem dúvida, acha-se plenamente demonstrado pelas provas produzidas, motivo pelo qual não merece reparos a sentença neste ponto.  X – Inexistente parâmetro legal definido para a fixação do valor da indenização por dano moral, devendo ser quantificado segundo os critérios de proporcionalidade, moderação e razoabilidade, submetidos ao prudente arbítrio judicial, com observância das peculiaridades inerentes aos fatos e circunstâncias que envolvem o caso em exame.  XI – Razoável o valor de R$25.000,00 ora arbitrado a título de indenização por danos morais, levando-se em consideração as circunstâncias e peculiaridades da causa.  XII – Juros moratórios que devem ser fixados, englobadamente com a correção monetária, pela taxa SELIC.  XIII – Outrossim, a partir de 30/06/2009, considerando o entendimento firmado pelo Colendo Superior Tribunal de Justiça quando do julgamento do REsp nº 1.270.439/PR, em que adequou a jurisprudência até então sedimentada acerca da imediata aplicação do art. 5º da Lei nº 11.960/2009 (que alterou a redação do art. 1º-F da Lei nº 9.494/97) em razão da declaração de sua inconstitucionalidade pelo STF na ADIn nº 4.357/DF, os juros de mora devem corresponder aos juros da poupança e a correção monetária deverá ser calculada com base no IPCA, índice que melhor reflete a inflação do período.  XIV – Aplicável ao caso o entendimento esposado pelo eg. STJ na Súmula 54/STJ, que fixa o termo inicial dos juros de mora a partir da data do evento danoso.  XV – Consoante a Súmula 326/STJ, “Na ação de indenização por dano moral, a condenação em montante inferior ao postulado na inicial não implica sucumbência recíproca”.  XVI – Apelação da União a que se nega provimento. Remessa oficial a que se dá parcial provimento, para adequar os juros de mora na forma dos itens XII a XIV supra. Recurso de apelação do autor a que se dá provimento, para condenar a União ao pagamento de indenização por dano moral, conforme item XI, declarar a inexistência de parcelas prescritas e em honorários advocatícios, no importe de 10% sobre o valor da condenação.” (AC 0025507-02.2008.4.01.3400 / DF, Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL JIRAIR ARAM MEGUERIAN, SEXTA TURMA, e-DJF1 p.2421 de 29/05/2015)

“CONSTITUCIONAL. RESPONSABILIDADE CIVIL. REGIME MILITAR. CONDENAÇÃO PENAL COM BASE NA LEI DE SEGURANÇA NACIONAL. REPARAÇÃO POR DANIOS MORAIS. POSSIBLIDADE.  I – Pretensão de extinção do feito por ausência de interesse processual que se afasta, pois, na forma do art. 5º, XXXV, da Constituição Federal, “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”, ou seja, não se faz necessário o prévio esgotamento das vias administrativas para a propositura da ação judicial, motivo pelo qual, da mesma forma, não há que se falar em violação ao princípio da separação dos poderes. Precedentes.  II – Este Tribunal, na esteira do entendimento firmado no âmbito do Superior Tribunal de Justiça, se posicionou no sentido de que as pretensões de reparação por danos materiais e morais decorrentes de perseguição política durante o regime militar são imprescritíveis, não se aplicando, portanto, à espécie, a prescrição quinquenal do art. 1º do Decreto 20.910/1932.  III – Pretensão autoral que não está fundamentada na Lei de Anistia, mas sim nos princípios inscritos no art. 5º, incisos XLVII e XLIX, que tratam sobre a dignidade humana e preceituam que não haverá penas de morte, salvo em caso de guerra declarada, de caráter perpétuo, de trabalhos forçados, de banimento e cruéis, bem assim que será assegurado ao preso o respeito à integridade física e moral.  IV – Apesar de ter trazido como prova apenas a certidão carcerária, ela comprova a prisão do autor, em 28/11/1968, após condenação do Superior Tribunal Militar a 02 anos de reclusão, como incurso nas penas do art. 23 do Decreto-lei 314/1967 (Lei de Segurança Nacional), tendo sido posto em liberdade em 20/03/1970.  V – Relevante o fundamento sobre a imensa dificuldade em se colher provas sobre fatos ocorridos durante o regime militar, pois, em se tratando de regime de exceção, na época a população não dispunha das garantias hoje consagradas na Carta Constitucional.  VI – Assente na jurisprudência o dever do Estado de reparação por danos morais em razão dos atos praticados durante o regime de exceção e que resultaram em violação aos direitos fundamentais da pessoa humana.  VII – Razoável o quantum arbitrado na sentença a título de reparação por danos morais ((R$25.000,00), pois bem inferior aos valores arbitrados por este Tribunal em causas idênticas, de R$80.000,00 a R$100.000,00. VIII – Juros moratórios que devem ser fixados em 0,5% ao mês até o advento do novo Código Civil de 2002 e, a partir daí, englobadamente com a correção monetária pela taxa SELIC.  IX – A partir de 30/06/2009, considerando o entendimento firmado pelo Colendo Superior Tribunal de Justiça quando do julgamento do REsp nº 1.270.439/PR, em que adequou a jurisprudência até então sedimentada acerca da imediata aplicação do art. 5º da Lei nº 11.960/2009 (que alterou a redação do art. 1º-F da Lei nº 9.494/97) em razão da declaração de sua inconstitucionalidade pelo STF na ADIn nº 4.357/DF, os juros de mora devem corresponder aos juros da poupança e a correção monetária deverá ser calculada com base no IPCA, índice que melhor reflete a inflação do período.  X – Adequação do termo inicial da incidência dos juros de mora à Súmula 54/STJ que não se aplica, à míngua de impugnação específica do autor.  XI – Apelação de União e remessa oficial tida por interposta a que se nega provimento.” (AC 0001094-69.2010.4.01.3200 / AM, Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL JIRAIR ARAM MEGUERIAN, SEXTA TURMA, e-DJF1 p.327 de 13/01/2015)

“CONSTITUCIONAL. REGIME MILITAR. PERSEGUIÇÃO POLÍTICA. PRESO POLÍTICO. DANOS MORAIS. RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA DO ESTADO. RELAÇÃO DE CAUSALIDADE DEMONSTRADA. PRESCRIÇÃO INOCORRÊNCIA. INDENIZAÇÃO. CORREÇÃO MONETÁRIA. JUROS DE MORATÓRIOS. APELAÇÃO IMPROVIDA. REMASSA OFICIAL PARCIALMENTE PROVIDA.  1. Nas demandas em que a controvérsia gira de em torno de reparação patrimonial advinda da concessão de anistia, não se submetem à prescrição quinquenal disposta no art. 1º do Decreto 20.910/1932. É assente no c. Superior Tribunal de Justiça que são imprescritíveis os danos decorrentes de violação aos direitos fundamentais, mesmo que tenham ocorrido durante o regime militar.  2. Demais disso a edição da Lei 10.559/2002 implicou renúncia a eventual prescrição. Ação ajuizada antes do qüinqüênio da vigência da norma.  3. A responsabilidade civil do Estado é objetiva, conforme dispõe o §6º do art. 37 da Constituição Federal. Para os fins de caracterização da apontada responsabilidade mister a comprovação de três pressupostos: a) conduta comissiva ou omissiva; b) ocorrência de dano e c) nexo de causalidade entre o fato administrativo e o dano.  4. Frise-se que o autor esteve efetivamente encarcerado por aproximadamente 2 anos entre 1969 e 1971 e 1970 e fora demitido do cargo de Agente de Administração da Prefeitura de Belo Horizonte, pela suposta prática de crime contra a segurança nacional, conforme se vê da informação carreada pela Agência Brasileira de Inteligência às fls. 102/104.  5. Não há dúvida de que é devida ao autor reparação econômica, a título de danos morais. Isto se deve ao fato de que o apelado, além de vivenciar momentos de humilhação, violência psicológica e sofrimento foi alijado do convívio familiar. Patente, portanto, o direito do autor de ser indenizado, a título de danos morais.  6. Quanto ao valor da indenização, deve ser mantida a quantia fixada na sentença guerreada (R$ 100.000,00 – cem mil reais), principalmente pelo fato de que o valor ali arbitrado mostra-se equivalente aos fixados nesta Corte. (AC 0027403-17.2007.4.01.3400 / DF, Rel. DESEMBARGADORA FEDERAL SELENE MARIA DE ALMEIDA, QUINTA TURMA, e-DJF1 p.240 de 03/12/2010)  7. Quanto aos honorários advocatícios, correta a sentença, uma vez que devem ser fixados em 5% do valor da condenação, conforme entendimento unificado desta Colenda 2ª Turma, a fim de se atender ao disposto no art. 20, §§ 3º e 4º do CPC e, ainda, considerando que o autor decaiu de parte do pedido.  8. A correção monetária incide sobre o débito previdenciário, a partir do vencimento de cada prestação, nos termos do Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal.  9. Os juros de mora devem incidir no percentual de 0,5% (meio por cento) ao mês, a partir da citação, nos termos do art. 1º-F da Lei 9.494/97, na redação dada pela MP 2.180-35/2001, e, a contar da vigência da Lei 11.960/2009, a título de correção monetária e juros de mora, deverá incidir a taxa de remuneração básica e juros da caderneta de poupança.  10.Apelação improvida. Remessa oficial parcialmente provida (itens 7 e 8).” (AC 0002372-56.2007.4.01.3800 / MG, Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL FRANCISCO DE ASSIS BETTI, Rel.Conv. JUIZ FEDERAL CLEBERSON JOSÉ ROCHA (CONV.), SEGUNDA TURMA, e-DJF1 p.142 de 02/05/2013)

31.                   Assim, com base em todas as considerações por mim feitas, tenho que a indenização por danos morais deve ser fixada, em favor da parte apelante, no importe de R$ 100.000,00, valor que se coaduna com os 10 (dez) anos de perseguição política por ela sofrida, além de se mostrar em consonância com a jurisprudência desta E. Corte, sem ser considerado excessivo.

32.                   Em razão do disposto nos Enunciados nº 54 e 362 da Súmula de Jurisprudência do C. STJ, os juros de mora devem ser calculados a partir da data do evento danoso e a correção monetária a partir de sua fixação, no que toca à indenização por danos morais. Para os cálculos, devem ser levados em consideração os índices previstos no Manual de Cálculos da Justiça Federal.

Pelo exposto, dou parcial provimento ao apelo autoral e fixo em favor da parte autora prestação mensal, permanente e continuada no valor de R$ 2.436,41 (dois mil, quatrocentos e trinta e seis reais e quarenta e um centavos), retroativamente a 20 de janeiro de 1992, com juros e correção monetária incidindo individualmente sobre cada parcela devida, nos termos do Manual de Cálculos da Justiça Federal, descontados os valores já pagos administrativamente; condeno a União ao pagamento de indenização por danos morais em favor da autora/apelante no valor de R$ 100.000,00 (cem mil reais), com juros de mora a contar do evento danoso e correção monetária a partir de sua fixação, calculados nos termos do Manual de Cálculo da Justiça Federal.

Custas, em ressarcimento, pela União. Honorários advocatícios pela União, a serem fixados por ocasião da liquidação do presente julgado, nos termos do art. 85, § 4º, II do CPC/2015.

É como voto.

Desembargador Federal JIRAIR ARAM MEGUERIAN

Relator

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